As delações premiadas dos irmãos Batista revelaram que o esquema de corrupção do qual participavam começou no Mato Grosso do Sul. As informações são do site de notícias G1. Em documentos entregues ao Ministério Público Federal, havia uma lista de nomes e notas fiscais de falsas vendas de gado para encobrir o pagamento de propina a políticos do Estado.
Leia mais
Polícia Federal conclui que Renan, Jucá e Sarney não cometeram crime de obstrução da Justiça
Moro nega a ex-gerente da Petrobras audiência reservada com advogados
Uma auditoria fiscal apontou que o gado era vendido e pago, mas não entregue. As notas fiscais de Joesley e Wesley indicavam o trânsito da carga, mas o gado nunca chegou ao frigorífico de Campo Grande, suposto destino final. A auditoria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) diz que não verificou o abate dos animais que teriam sido vendidos.
Não há registro de entrada dos bovinos nos frigoríficos. Ao MPF, Wesley Batista entregou uma lista com 56 notas fiscais do frigorífico Buriti, por fornecimento de carne, e outras 23 notas de compra de gado vivo. De acordo com o Ministério da Agricultura, não havia nenhum registro de abate dos animais.
Wesley relatou, durante a delação, que a JBS deu dinheiro oficialmente e em caixa dois para Reinaldo Azambuja e Delcídio do Amaral, que na época eram candidatos no segundo turno das eleições para o governo do Mato Grosso do Sul em 2014.
– O Joesley negociou com o Delcídio e com Reinaldo que se o Reinaldo ganhasse, um ia pagar a conta do outro. Ele [Delcídio] recebeu um valor relevante, R$ 12 milhões, tem várias notas frias, dinheiro em espécie. E como ele não foi eleito e foi o Reinaldo, o Joesley falou: 'ó, a conta do Delcídio é sua –, disse Wesley em outro trecho da delação.
Em nota ao G1, o governador Reinaldo Azambuja declarou nunca ter recebido vantagens indevidas de Joesley e Wesley Batista. Disse ainda que "as quantias relativas à doação eleitoral, através do diretório nacional do PSDB, constam na prestação de contas da campanha de 2014, e que foram aprovadas pela Justiça Eleitoral". Com relação às notas fiscais frias, o governador disse que "este fato não tem qualquer relação com o nome ou as atividades dele".
O dinheiro se tornava propina para os secretários e para o governador Reinaldo Azambuja (PSDB), em troca de redução de impostos estaduais, informou Wesley. Ele também contou aos procuradores do MPF que as vendas eram inventadas para justificar a saída do dinheiro do caixa da JBS.
O empresário afirmou que o esquema era antigo e durou, pelo menos, 13 anos, até 2016, por suspeita de investigação pela operação Lava-Jato.
– Esses pagamentos aqui, que são os mais recentes, R$ 12.900.000 para empresa Buriti, e todos esses aqui, que são pessoas físicas, são produtores que emitiram notas fiscais contra nós – disse Wesley na delação.
Um desses produtores é o atual secretário de fazenda de Mato Grosso do Sul, Márcio Monteiro. Ele é pecuarista e em dezembro passado vendeu 140 cabeças de gado à JBS, por R$ 333 mil.
Os caminhões deveriam ter levado os animais da fazenda dele, em Jardim, até Campo Grande, entre os dias 12 e 15 de dezembro de 2016, mas, nunca foram entregues, nem nesse período, nem depois.
O frigorífico Buriti, de Aquidauana, vendeu 1,6 mil toneladas de carne para a JBS, mas, a pesquisa feita na Superintendência Federal de Agricultura de Mato Grosso do Sul revelou que o carregamento também nunca foi entregue.Wesley Batista disse que o Buriti foi usado pelo atual governador, Reinaldo Azambuja, para lavar dinheiro de propina.
Um dos executivos do grupo, Valdir Boni, era o responsável por buscar as notas fiscais e fazer os pagamentos.
– Ou o próprio governador tratava comigo, ele próprio. O Boni ia lá no Palácio do Governo, em Campo Grande. Essas notas o Boni pegou em mãos com o governador, essas notas fiscais e processou o pagamento – disse Wesley na delação.
O advogado do frigorífico Buriti nega as irregularidades.
– O que se pode dizer nesse momento é que o meu cliente sabe. E meu cliente sabe que não cometeu crime de espécia alguma. Se isso foi feito com notas em nome do frigorífico ou não, isso vai ser, no momento adequado, explicado à Justiça – afirmou Leonardo Avelino Duarte.
Outros secretários também estão envolvidos nas denúncias. Zelito Alves Ribeiro, coordenador político do governo, emitiu notas fiscais que totalizaram R$ 1,758 milhão. Nelson Cintra, ex-secretário de turismo e coordenador político do governador, recebeu quase R$ 300 mil.
De acordo com os delatores, foram pagos, ao todo, R$ 38 milhões em propina a Reinaldo Azambuja, em troca de um desconto no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de R$ 99 milhões para empresas do grupo J&F em Mato Grosso do Sul.
– Você só conseguia o termo de acordo se você pagasse. Se você não pagasse, não conseguia. E, no Mato Grosso do Sul, só para falar mais um pouco, assim, nós temos conhecimento de que o negócio era generalizado, no nosso setor frigorífico, essa modalidade. Não era só nós que tínhamos", disse Wesley em outro trecho da delação.
Só nos últimos 10 anos, a J&F, holding que controla todas as empresas do grupo, teria pago R$ 150 milhões em propina em troca de descontos de R$ 500 milhões no ICMS só em Mato Grosso do Sul. Ricardo Saud disse na delação que o único suborno que deu prejuízo foi o de Delcídio do Amaral.
– Não tem nada de doação legítima. Nesse caso, era tudo propina. Só que ele perdeu a eleição, vocês prenderam ele e nós perdemos. Ele não vai pagar nada para nós – afirmou o diretor da JBS Ricardo Saud em delação.
Zelito Alves Ribeiro, Nelson Cintra e Márcio Monteiro disseram que venderam gado à JBS e que, segundo eles, pode ser comprovado nas notas fiscais. O ex-senador Delcídio negou ter recebido propina da JBS e disse ainda que considera absurda a afirmação de que ele tinha um acordo com Reinaldo Azambuja para pagamento das contas de campanha.
O PSDB declarou ao G1 que as doações da JBS estão nas prestações de contas declaradas à Justiça Eleitoral. PT não quis se manifestar ao site de notícias.