Meu início de carreira em algo próximo ao jornalismo foi marcado pelo pânico diário de Paulo Sant'Ana.
Minha infame tarefa era interromper os seus rompantes umas cinco vezes por dia para perguntar se ele poderia fazer uma foto com as comitivas de festas do Interior que visitavam a redação de Zero Hora e, sem exceção, queriam cumprimentá-lo. Combinando um cara que odeia importunar e outro que odeia ser importunado, acho que tínhamos uma relação de m. para ambos.
De todos aqueles constrangimentos diários, guardei um.
Certo dia em que ele estava especialmente furibundo (era 2005 e o Grêmio patinava na Série B, imagine o Sant'Ana), a comitiva pediu uma foto e ele se prontificou daquele jeito: sempre meio lisonjeado, meio a contragosto, abraçando uma dupla de princesas pelos ombros:
– De onde vocês são?
– De Marques de Souza.
O Sant'Ana fechou a cara e recolheu os braços tão rápido que as palmas bateram nas coxas, como se fosse um milico em continência. Só que em vez de levar a mão à testa, ergueu os dedos que sacolejavam o cigarro e caminhou lentamente em direção ao prefeito aterrorizado.
– Marques... de Souza... MARQUES DE SOUZA! Terra do PEDÁGIO ASSASSINO!!!
O prefeito gaguejava uma resposta.
– ONZE REAIS! ONZE REAIS!!!
Sabia (ou chutou, sei eu) o número de acidentes no município naquele ano.
– E os senhores não fazem nada. NADA! NA-DA!
Saiu bufando, o Sant'Ana, deixando prefeito, secretários e aspones sem saber onde se enfiar de vergonha. Eu, todavia, me segurava para não rir.
Em 2007, já como repórter, fui a Marques de Souza fazer uma reportagem sobre um adolescente atropelado por um caminhão. Dividido em dois pela BR-386, o município de 4,5 mil habitantes tinha a maior taxa de mortalidade no trânsito per capita do RS. E um pedágio cuja tarifa era baseada em um cálculo malfeito, mas fixado em contrato, sem margem para negociação ou obrigatoriedade de investimentos em segurança como contrapartida. Um absurdo sob todos os pontos de vista.
Resumindo, estava coberto de razão o Paulo Sant'Ana.
Embora odiasse lidar com ele, respeitava o fato de ele ser, senão o maior repórter, o maior troll do Rio Grande do Sul. Não haveria como lidar com dois Sant'Anas. Muitas vezes, nem um só os colegas de jornalismo aguentavam. Mas todos respiravam fundo porque o velho era mesmo genial quando queria. Nesse meio tempo, os outros que rebolassem para lidar com ele.