Diz a superstição que chover no dia do casamento traz sorte e bênçãos aos noivos. Recordando suas núpcias, em 26 de julho de 1947, há exatos 70 anos, dona Idalina Anna Onzi, 95 anos, lembra que choveu torrencialmente naquele dia. Lenda ou não, a união com seu Attilio Onzi, 94, permanece firme até hoje, fortalecida pelo amor e carinho das quatro filhas e dos oito netos.
– Ele me ensinou o valor do trabalho. E eu, o ensinei a ter calma, a perdoar, a levar a vida com menos ansiedade – conta dona Idalina, sentada em uma poltrona na cozinha da casa onde mora desde 1960, após se mudarem de uma propriedade na comunidade de Loreto para o bairro Rio Branco, em Caxias do Sul.
O mesmo jeitinho meigo que dona Idalina preserva até hoje fisgou Attilio em 1945, num baile em São Martinho da 2ª Légua, onde a jovem morava.
– O tio dela tocava bandonion. Na época, chamavam de baile das damas, porque eram as moças que convidavam para dançar – conta Attilio.
– E tu fez questão de passar bem na minha frente, né? – emenda Idalina, rindo.
O pedido de casamento veio dois anos depois e foi como mandava a tradição: a família do pretendente foi visitar a moça e o futuro sogro pediu a mão dela ao pai. Casaram-se às 10h30min de um sábado chuvoso, cerimônia precedida de um café na residência da noiva e concluída com festa na casa do noivo.
Filho mais novo, Attilio levou Idalina para morar com ele e os sogros em Loreto. Na propriedade, cultivavam uvas, faziam vinho e viviam da agricultura. Além de ajudar o marido na lavoura, Idalina também costurava. O primogênito, Valter, nasceu cerca de um ano depois, mas não resistiu à meningite e morreu ainda bebê.
– Era um menino lindo, forte – recorda Attilio com tristeza.
Após a perda do filho, Idalina deu à luz Geni, 67, Juracema, 66, Zulma, 63, e Zaira, 61. A preocupação com a educação das meninas levou o casal a buscar melhores oportunidades na cidade.
– Meu pai sempre foi um homem muito ativo. Ajudou a reivindicar estradas e conseguiu até que o então prefeito Ruben Bento Alves criasse uma escola para as crianças dos agricultores que moravam lá em Loreto, que, no início, funcionou em um galpão na nossa casa – recorda Geni, que, como as três irmãs, seguiu carreira no magistério.
Quando se mudou para o bairro Rio Branco, Attilio passou a trabalhar em uma fábrica de esquadrias, e Idalina, seguiu costurando. Da antiga máquina, saíram inúmeros vestidos de noiva – inclusive o da filha Geni –, roupas femininas e calças masculinas, as suas preferidas. No porão da casa, o nono manteve a tradição italiana de fabricar vinho – coisa que fez só até o ano passado, em razão de problemas de saúde. No almoço e no jantar, ele não dispensa um cálice da bebida.
– Agradeço a Deus pela família que conquistamos. Minhas filhas nunca deram trabalho e até hoje vivemos em paz. Não há segredo para ter um casamento longevo. Acho que o principal é ter respeito pelo outro, tolerância e paciência. E comer, trabalhar, fazer coisas boas junto – define a idosa.
Casa cheia, mente ocupada e família unida
Sonho de todo pai e mãe, manter os filhos por perto é um privilégio de Attilio e Idalina. Das quatro filhas, três vivem em Caxias: Geni e Juracema, hoje viúvas, moram no mesmo terreno na Avenida Rio Branco, enquanto Zaira vive com a família no bairro Salgado Filho. Apenas Zulma mudou-se para Curitiba após casar. A distância, no entanto, é compensada, segundo as irmãs, pelas visitas frequentes e pelas conversas por telefone, internet e whatsapp.
Compreender a tecnologia, aliás, ainda é um dos objetivos de dona Idalina. O celular, que ela chama de scatoletta (caixinha, em dialeto), é usado para conferir novos pontos de crochê, que ela produz sem dificuldade, para fazer vídeos e trocar mensagens com os netos e parentes.A nona só não gosta que o pessoal use o celular quando estão conversando todos juntos. Nessa hora, ela franze a testa e grita: scatoletta!
Manter a casa sempre alegre, cheia de gente, passear e dançar são coisas que o casal de nonos sempre gostou e preservou.
– Quando eu era pequena, lembro que o pai ligava os rádios no quarto, na sala e na Brasília (ano 1974, que Attilio mantém como relíquia) na mesma estação para todo mundo ouvir música – lembra a filha Zaira.
Para Geni, os pais se mantém lúcidos e ativos apesar da idade porque nunca se isolaram.
– O que fortalece a pessoa idosa é a companhia – acredita.
Manter a cabeça ocupada também faz diferença. Há 26 anos, o casal não dispensa a leitura do Pioneiro. Primeiro, Attilio lê as notícias do esporte e de seu time, o Internacional. Depois do almoço, é a vez da nona folhear as páginas de política e conferir a coluna do frei Jaime e as "fotos das noivas" (coluna social). Só não gosta da página policial porque não gosta de notícias que a deixem triste.
– E o que é essa confusão do prefeito com o vice, hein? – comenta Idalina, mostrando estar atenta às notícias do dia a dia.
No último domingo, os Onzi reuniram os parentes e festejaram as bodas de vinho (70 anos de casamento) de Attilio e Idalina. Como os nonos adoram, não faltou alegria, música e celebração à vida. E um bom cálice de vinho, que, como o amor dos nonos, fica melhor a cada ano. Que venham os 75.