O comentarista, esportista, cronista e entusiasmado gremista Paulo Sant'Ana – assim descrito em rimas pelo religioso que organizou seu funeral – despediu-se deste mundo ao som de um coro que entoava uma de suas canções prediletas: Felicidade, do ídolo Lupicínio Rodrigues. E talvez só mesmo Lupicínio, o genial autor do hino do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, tenha tido um sepultamento tão prestigiado pela torcida tricolor do Rio Grande. Ao som da mesma música, aliás.
Boêmio e gremista ardoroso como Lupi, Sant'Ana foi velado num estádio, a Arena, na zona norte de Porto Alegre, e sepultado de frente para outro, o Olímpico, palco das maiores glórias do seu time. Sobre o caixão, alguém colocou três cigarros (para o ídolo não se despedir sem um dos prazeres que mais sorveu), um cravo e uma camiseta antiga do Grêmio. O esquife estava envolto em grande bandeira gremista.
No caminho entre as duas sedes esportivas do Grêmio, a nova e a antiga, centenas de pessoas saudavam o cortejo fúnebre com bandeiras do clube, camisetas azuis, abanos. Gravavam vídeos em celular ou, simplesmente, davam gritos de "viva" ao ídolo morto.
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Sim, porque Sant'Ana foi, muito mais do que cronista esportivo e policial (suas duas carreiras simultâneas), um ídolo que ousou declarar amor ao clube numa época em que o jornalismo pregava isenção. E num Estado rachado por paixão e ciúmes clubísticos. É por ver nele essas características que a torcida tricolor se postou pacientemente, ao longo do dia, em frente ao esquife onde o corpo de Sant'Ana repousava.
Nas homenagens finais enfileiraram-se ao pé do caixão políticos, verdureiros, esportistas. Um público eclético, em cerimônia ecumênica, a unir colorados e gremistas, esquerdistas e direitistas, ex-amigos e desafetos que se tornaram amigos, um desejo expresso por Sant'Ana anos antes de morrer.
Estavam lá pessoas com quem o jornalista discutiu, esbravejou, mas voltou a se entender. Colorados a quem ele não poupou nas suas flautas clubísticas, como o conselheiro do Inter e colega de crônica esportiva Ibsen Pinheiro. Biógrafos em potencial, como o jornalista Moisés Mendes. Imitadores do estilo careteiro de Sant'Ana, como o humorista Duda Garbi. E gente do povo, sobretudo do povo gremista.
É por essa razão que, ao longo do velório, por diversas vezes, alguém mais entusiasmado puxava o coro, a plenos pulmões, das estrofes:
"Até a pé nós iremos
para o que der e vier
mas o certo é que nós estaremos
com o Grêmio onde o Grêmio estiver."
Hino gremista composto por Lupicínio, um dos autores a quem Sant'Ana mais tentava imitar em suas rondas noturnas pelos bares de uma Porto Alegre que não existe mais.
Ao se despedir, Jayme Sirotsky, presidente emérito da RBS, saudou a vontade de viver intensamente, uma das marcas de Sant'Ana.
– Mesmo com suas explosões e diferenças nos relacionamentos, era impossível não gostar dele. Era uma figura incomum. Local e universal. Eterno – resumiu.
Um temperamento mercurial que também foi salientado pelo padre João Tadeu Amorim Fernandes, capelão do Grêmio, na missa de corpo presente do jornalista:
– O Sant'Ana era um vulcão. Que deixa como grande herança a sintonia com a vontade popular.