Integrante de uma das mais tradicionais famílias do Judiciário gaúcho, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 54 anos, assumiu na sexta-feira a presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) defendendo uma Justiça mais rápida e acessível. No comando do tribunal que julga os recursos da Lava-Jato, ele acredita que o Judiciário conduz uma revolução pacífica no país ao protagonizar uma inédita ofensiva no combate à corrupção.
O magistrado, porém, critica a exposição demasiada dos membros da Justiça. Expoente da 18ª geração de juízes entre os Thompson Flores e com a experiência de quem atuou durante 11 anos no Ministério Público Federal e há 16 anos é membro do TRF4, defende a liturgia do cargo, segundo a qual juiz fala nos autos:
– Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição.
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A seguir, uma síntese da entrevista concedida a ZH.
Que modelo de gestão o senhor pretende imprimir nos dois anos à frente da Corte?
Minha preocupação é a agilização da prestação jurisdicional. Temos um novo código de processo civil, que a meu juízo burocratizou um pouco a Justiça. Temos também a Operação Lava-Jato e uma grande reforma administrativa que fizemos aqui no tribunal. Descentralizamos duas turmas julgadoras, uma em Florianópolis e outra em Curitiba. É uma iniciativa pioneira no Brasil.
O TRF4 é uma Corte de poucas ações originárias. Como torná-la mais acessível à população?
A Justiça ainda é muito hermética em relação à população mais pobre. Embora o livre acesso esteja na Constituição, ainda não se tornou uma realidade. E à medida em que os processos chegam aos tribunais, se distanciam ainda mais da população. Quando é no foro de primeira instância, as partes vão lá, é mais fácil esse acesso. Quando os processos vão subindo, cresce o custo das ações. Julgamos processos dos três Estados do Sul. Imagina alguém lá do interior do Paraná, quase em São Paulo: óbvio que encarece demais. Já tomamos uma medida para nos aproximarmos: essas turmas descentralizadas, que começam a funcionar segunda-feira.
Essas turmas vão julgar ações? A parte não precisa mais vir a Porto Alegre?
Considero isso uma experiência inovadora no Brasil. São seis juízes, três em cada capital. Eles só vêm a Porto Alegre uma vez por mês, para participar de alguma sessão de plenário e corte especial.
Uma das principais críticas que se faz à Justiça é a lentidão. Como agilizar os processos e decisões?
Teríamos de fazer uma reforma na legislação processual. O novo código não ajudou em nada. Infelizmente, nós, juízes, ficamos à margem dessa construção. Deixamos seguir no Congresso, sem nos fazer ouvir. Mas acima de tudo, há o elemento humano: juízes e servidores. Se não houver emprenho, de nada adianta ter uma lei maravilhosa.
O processo eletrônico, desenvolvido aqui no tribunal, deu fluidez à Justiça e virou modelo de exportação para outras cortes do Brasil e do Exterior. Há outro projeto semelhante em desenvolvimento?
Eu mesmo fui cético se o processo eletrônico ia dar resultado. E, hoje, reconheço que estava errado. Há alguns meses recebi uma missão inglesa e eles ficaram impressionados. O juiz delibera de casa, as partes consultam de qualquer lugar. Ele está em constante aperfeiçoamento e, agora, estamos com uma tecnologia semelhante para os processos administrativos, como remoção de servidores, por exemplo. Muitos tribunais estão firmando convênios para adotar o modelo.
O tribunal ganhou mais atenção com a Lava-Jato e tem se caracterizado em ser mais rígido na fixação de penas do que o juiz Sergio Moro, que julga os casos em primeira instância. O judiciário brasileiro vive um novo momento?
O Brasil fez uma revolução pacífica através da Justiça. Eventuais excessos o próprio Poder Judiciário tem podado. Já passaram aqui pelo tribunal 701 recursos da Lava-Jato. Não chegam a 10 os casos de decisões alteradas no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça. Veja o grau de seriedade.
Temos juízes heróis de passeatas, julgamentos transmitidos ao vivo e ocupando espaços majoritários em telejornais. Enquanto isso, o TRF4 tem sido mais rigoroso e ninguém sabe os nomes do julgadores. Como o senhor vê essa espetacularização dos atos judiciais e exposição de alguns juízes?
Venho de uma família de 18 gerações de juízes. O perfil se alterou muito nos últimos tempos. Antes o juiz raramente escrevia um artigo de doutrina, porque amanhã ou depois seria chamado a julgar uma ação sobre aquela matéria e, em tese, já teria ideia pré-concebida. Caímos no extremo oposto. A magistratura tem uma liturgia. Não se deve comentar casos judiciais que estão sob julgamento. O senhor conhece algum nome de juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos? Lá eles se preservam tanto, têm uma atuação tão discreta que não vulgariza sua presença e não fala sobre tudo. Um juiz da Suprema Corte tem de falar em momentos fundamentais da nação e em lugares apropriados. Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição. O tempo vai nos levar para o meio do caminho.
O senhor enxerga esse protagonismo exacerbado também no Ministério Público?
É a mesma situação. Fui do Ministério Público, atuei como procurador da República por 11 anos. A Lava-Jato tem um mérito inegável que foi primeiro conquistar a população. Isso lhe deu capital muito grande. Agora, vão ter de trabalhar com isso. Não pode extrapolar, tornando as pessoas pop star. É necessário discrição á investigação. Houve um caso que chegou ao Conselho Nacional do Ministério Público por causa das palestras dos procuradores. Creio que essa situação deve ser repensada, inclusive com relação a magistrados. Meu avô foi ministro do Supremo durante 13 anos e nunca deu palestra remunerada. Acho inadmissível palestra remunerada. Quem tem problema de dinheiro, gosta muito de dinheiro ou está mal de dinheiro, não pode ser juiz da Suprema Corte. Não é forma de aumentar renda.
A Lava-Jato teve efeitos inéditos: prendeu grandes empresários, ministros, parlamentares. Como consequência, há manobras constantes do Congresso, tentando constranger autoridades do Ministério Público e do Judiciário. Como encontrar um equilíbrio que evite falhas que abram brechas a esses movimentos e neutralize tentativas de revide?
Já houve várias tentativas de podar a Lava-Jato. Enquanto a população estiver acreditando na operação, acho difícil que passe algo nesse sentido. Só poderia passar através de decisão do Supremo. No Congresso, as tentativas não prosperaram.
Além do protagonismo com a Lava-Jato, o TRF4 ganhou ainda mais relevância a partir do momento em que o Supremo reviu sua jurisprudência e permitiu o cumprimento de pena a partir de condenação em segunda instância. Agora, a Corte está em vias de julgar essa questão novamente. Qual sua posição?
Sempre foi essa a jurisprudência do Supremo. A partir de um certo tempo que se criou esse entendimento que teria de se esgotar todas as instância. Em nenhum lugar do mundo existe direito adquirido a quatro instâncias. Isso não existe. Com base naquela decisão do Supremo, editamos uma súmula em que se autoriza a prisão a partir de segunda instância. Parece que o Supremo agora quer rever. Acho que ainda estamos muito próximos da decisão anterior. Não houve nenhum fato novo, não houve alteração legislativa, não mudou a Constituição, nada. Só mudança de composição. Se for assim, cada que que entra um novo ministro no Supremo teremos que alterar tudo. Aí se compromete a segurança jurídica.
O senhor vê a Justiça ameaçada por movimento políticos em função do avanço da Lava-Jato?
Como instituição, não. Se alguém acalentasse esse sonho, seria quase um delírio. O Poder Judiciário tem todas as garantias. Até quando não houve garantias, ele atuou. A ex-presidente Dilma Rousseff, quando presa na ditadura, foi solta por decisão plenário do Supremo em 1971. Dizer que o Supremo ou Poder Judiciário é omisso... um ou outro juiz pode ter sido. Mas como instituição, não. O Poder não está ameaçado.