Uma eventual investigação do presidente Michel Temer pelo uso de aeronaves de empresas privadas em seus deslocamentos só poderá ser feita com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Em pelo menos duas ocasiões, quando era vice de Dilma Rousseff, Temer viajou em aparelhos cedidos por empresários que, mais tarde, seriam investigados na Operação Lava-Jato. Por ora, apurações específicas sobre esses voos ainda não foram solicitadas ao STF.
Por conta da prerrogativa de foro especial, a Comissão de Ética Pública e a Controladora-Geral da União estão impedidas de instaurar procedimentos para analisar a conduta do presidente. Os dois órgãos apenas têm poder para apurar servidores concursados, ministros, dirigentes de estatais e detentores dos mais elevados cargos em comissão. Atualmente, cinco ex-ministros e dois presidentes da Trensurb no governo Dilma Rousseff respondem à apuração da Comissão de Ética por causa da Lava-Jato.
Temer já é investigado no STF por corrupção, organização criminosa e obstrução à Justiça, após ser citado como destinatário de uma propina de R$ 500 mil paga pela JBS. Em 2011, ele viajou a Comandatuba, na Bahia, em um jatinho Learjet da empresa. Em 2014, conforme revelou Zero Hora, o então vice-presidente foi a Tietê (SP) em um helicóptero Bell da Juquis Agropecuária. A empresa pertence ao empresário Vanderlei de Natale, que também administra a Construbase, empreiteira investigada na Lava-Jato por suspeita de formação de cartel e pagamento de propina para obter contrato na Petrobras.
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Nos dois casos, ao ser questionado sobre as viagens, o Palácio do Planalto afirmou que Temer usou aeronaves da Força Aérea Brasileira. Mais tarde, a assessoria de comunicação da Presidência voltou atrás e admitiu que o presidente voara no jatinho da JBS e no helicóptero de Natale, qualificado pelo Planalto como "amigo" de Temer.
Para o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e autor de textos sobre ética na política, a sequência de mentiras reflete uma questão moral. Porém, ao contrário dos Estados Unidos, onde um eventual flagrante de mentira do presidente pode motivar um impeachment, no Brasil não há previsão de penalidade.
– O nosso nível de tolerância é muito alto. Os americanos são muito mais rigorosos. Claro que uma mentira simples, sem consequências danosas, não é grave. Mas se uma mentira esconde corrupção ou intermediação de interesses, tem de ser objeto de algum procedimento. Afinal, foi o próprio presidente que se colocou nessa situação – avalia o sociólogo.