Os sucessivos cortes de verbas no governo federal levaram a uma crise sem precedentes o projeto público de formação de instrutores de cães-guias em todo o país, que nasceu no Instituto Federal Catarinense (IFC), em Camboriú, e já beneficiou mais de 20 deficientes visuais só na região Sul. Sem recursos na Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), de onde deveria vir a verba, gestores do programa estão em busca de alternativas para manter o financiamento do projeto. A fila de espera por um cão-guia, no cadastro nacional, tem mais de 400 pessoas.
Gente como o fisioterapeuta Roberto Leite, que perdeu a visão gradativamente, desde a infância. Ele conta que ganhou mobilidade e viu sua independência crescer depois de ter recebido Dexter, um flat coated retriever formado em Camboriú, no final de 2015.
_ Nunca mais bati em uma placa de trânsito. Já fui até a Brasília com ele _ diz.
Os cursos de formação de instrutores, que resultaram na entrega de cães como Dexter, foram criados em uma parceria entre a SDH, que ficou responsável pela manutenção, e o Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), que responde pela estrutura física dos sete campi espalhados pelo Brasil _ por enquanto, Camboriú e Alegre (ES) estão em operação.
Ocorre que, desde 2012, o orçamento da SDH passou de R$ 8 milhões para R$ 1,8 milhão. Só a verba do projeto cão-guia, que é de R$ 2,8 milhões por ano, já supera e muito esse valor.
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Cães-guias formados em programa federal mudam a vida de deficientes visuais
Para que o projeto não fosse paralisado, este ano o MEC dividiu recursos de manutenção com a SDH, extraordinariamente. Só que os repasses estão atrasados. Em Camboriú, a direção tem adiantado verbas da instituição para manter os custos, que incluem a compra de ração e tratamentos veterinários para mais de 40 cães.
Marco Antônio Juliatto, representante do Setec, esteve esta semana em Camboriú para acompanhar uma visita técnica da Federação Internacional de Cães-Guias, e discutiu a situação financeira do projeto com a direção do campus. O ideal, afirma, é que outros ministérios também passem a integrar a verba, como Saúde e Previdência Social.
O prazo para definir colaborações, no entanto, é curto: para que o dinheiro esteja em caixa no ano que vem, é preciso que a partilha seja definida até agosto.
_ Estamos dando um jeito este ano, mas precisamos de outros parceiros. Outros ministérios não se mexeram ainda, mas também não foram provocados. A alternativa que temos é a divisão _ diz Juliatto.
Até que a definição ocorra, os campi estão de mãos atadas para anunciar novas turmas e aumentar o plantel com novos filhotes. Nem mesmo o edital para que mais deficientes visuais se cadastrem é aberto.
Em Camboriú, há no momento quatro instrutores em fase final de formação e 40 cães em treinamento.
Fundos aguardam aprovação
Uma das alternativas para garantir a continuidade do programa federal de distribuição de cães-guias seria a criação de um fundo nacional para a pessoa com deficiência, que pudesse absorver recursos privados, vindos de impostos, e direcioná-los para políticas públicas de assistência.
Há dois projetos para isso tramitando no Congresso Nacional, um na Câmara dos Deputados e um no Senado. Por falta de pressão popular, no entanto, eles não entram na pauta de votação.
A outra possibilidade é a abertura de espaço para parceria público-privada na manutenção dos projetos de formação. Os institutos federais de Camboriú e Alegre, no Espírito Santo, estudam a possibilidade de integrarem uma fundação _ o que abriria espaço para doações diretas da iniciativa privada.