Após 10 anos, a maior operação da Polícia Federal em Santa Catarina, denominada Moeda Verde em alusão à corrupção para a obtenção de licenças ambientais, está próxima de um desfecho na Justiça Federal, em Florianópolis. A fase das alegações finais termina na sexta-feira. Depois, sem prazo estabelecido, será proferida a sentença do juiz da 6a Vara Federal, Marcelo Krás Borges. A decisão será o fim em primeira instância de um caso que se arrastou em recursos de defesas e na definição sobre a quem caberia julgá-lo.
A ação penal da Moeda Verde é o segundo processo em quantidade de dados armazenados nos servidores da Justiça Federal no Sul do país, inferior apenas aos da Operação Lava-Jato. São 18.187 páginas virtuais na ação penal e 12.333 no inquérito, totalizando 60,9 mil gigabytes.
Questionados pelo DC, alguns investigadores que atuaram no processo afirmam que a complexidade do caso foi a razão para a demora de uma década até o julgamento. Se houver condenação, não descartam no mínimo outros 10 anos pela frente em novos recursos.
– Isso é um problema cultural, precisaria uma grande revolução na administração da Justiça para ela ser mais rápida. Até 2013, o inquérito nunca ficou mais de 10 dias no Ministério Público Federal (MPF) em Florianópolis. Depois que chegou, era um processo imenso, levei um ano para entender e fazer a denúncia. A expectativa é que haja condenação, mas é provável que algumas penas de crimes estejam prescritas – diz o procurador João Marques Brandão Néto.
Por meio da assessoria, o juiz Marcelo Krás Borges lembrou que a denúncia foi recebida em janeiro de 2015 e não quis fazer comentários porque ainda deve julgar o processo.
A Polícia Federal também não quis comentar o andamento da operação. A delegada responsável pela apuração, Julia Vergara, se licenciou da PF na semana passada para assumir a Secretaria de Assuntos Internacionais da prefeitura de Florianópolis.
Autor do habeas corpus que soltou os presos e de recursos durante o inquérito, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho afirma que o próprio MPF fundamentou procedimentos que acabaram sendo denegados e causou a demora.
Figurões foram alvos da Polícia Federal
A investigação começou em 2006, mas foi no dia 3 de maio de 2007, uma quinta-feira, que a Polícia Federal a desencadeou nas ruas. Foram 22 prisões temporárias e a primeira vez que tantos figurões da Ilha de Santa Catarina acabaram indo para a carceragem da PF, na Avenida Beira-mar Norte, entre empresários, políticos e servidores públicos.
Em tom de escândalo, os presos logo ganharam a liberdade, houve desdobramentos como uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores e depois batalhas jurídicas nos tribunais. Até mesmo a Justiça Federal e o MPF não se entenderam, com pedidos de suspeição e decisões polêmicas.
O inquérito ficou mais de cinco anos no Tribunal Regional Federal da 4a Região, em Porto Alegre, para julgamento de competência de foro e só retornou para a Capital catarinense em 2013. Em Florianópolis, tornou-se símbolo de impunidade reclamado por ambientalistas e da lentidão processual.
A denúncia do MPF foi entregue à Justiça em dezembro de 2014. Foram 48 denunciados (veja mais no quadro acima). As primeiras audiências foram em 2016, etapa que ouviu a impressionante quantidade de 200 testemunhas de defesa.
Procuradores concluíram que havia uma quadrilha num esquema de corrupção para invasão e ocupação de áreas públicas. O Ministério Público pediu a condenação de 27 réus, a demolição do hotel Il Campanario e dos beachs clubs de Jurerê Internacional.
Demolições em Jurerê Internacional
As demolições dos beach clubs serão julgadas pelo juiz Marcelo Krás Borges, o que gera expectativa entre réus. O magistrado é o mesmo que em 2016 determinou a derrubada dos bares, entendendo que estão em área de preservação permanente.
A decisão foi suspensa temporariamente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgará o mérito. Nas audiências da Moeda Verde, a defesa do grupo Habitasul, um dos indiciados, demonstrou preocupação com os pedidos de demolições e negou que os empreendimentos prejudiquem o meio-ambiente.
Para o advogado Francisco Ferreira, que também defende empresas ligadas a beachs clubs na Moeda Verde, fotos atuais de satélites demonstrariam que os estabelecimentos não estão impedindo a regeneração da restinga e que houve incremento da proteção ao meio-ambiente.
O que disse a Habitasul:
Em nota por meio da assessoria enviada nesta segunda-feira, o grupo Habitasul afirmou que as etapas finais da ação penal trazem um horizonte de alento, garantiu a inocência dos réus e tem a expectativa que passada uma década prevaleça a verdade. Confira:
"As etapas finais da ação penal decorrente da operação Moeda Verde trazem um horizonte de alento para o Grupo Habitasul. Ao longo de dez anos, entre investigação e processo, foram gerados prejuízos, de ordem pessoal e material, irremediáveis. Alguns dos excessos acusatórios foram aos poucos depurados, tanto pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Florianópolis, quanto pelas instâncias superiores. Apenas no ano passado os acusados tiveram a oportunidade de fazer seu contraponto ao trabalho da acusação, o que fizeram por meio de robusta prova testemunhal e de seus interrogatórios. Não é exagero dizer que, mais que colocar em dúvida as premissas da acusação (o que por si já seria suficiente para uma decisão absolutória), evidenciou-se com firmeza a inocência dos réus. Confia-se que o transcurso do tempo sirva para que a Justiça julgue com prudência, refletindo os fatos e as provas concretamente trazidos aos processo. A expectativa é que, passada uma década, prevaleça a verdade."
Cronologia da operação
Junho de 2006
Instauração do inquérito policial e monitoramento telefônico
Dezembro de 2006
Fim do monitoramento telefônico e é fixado primeiro marco prescricional. Data é utilizada para contagem jurídica em cálculo de prescrição quando um crime não tem a data da ocorrência precisada nos autos
Maio de 2007
Realizadas as prisões e executadas as buscas
Outubro de 2007
Apresentado o relatório policial. Pelo inquérito envolver políticos com direito a foro privilegiado, o caso é remetido ao TRF-4
Janeiro de 2013
Caso fica mais de cinco anos em instâncias superiores em análises de recursos devido ao foro privilegiado do então prefeito de Florianópolis, Dario Berger (PMDB). Em janeiro de 2013, MPF pede que os autos voltem para Florianópolis, já que Berger não foi reeleito prefeito. No entanto, no mesmo período o investigado Carlos Amastha (PSB) é eleito prefeito de Palmas (TO), e os procuradores indicam que a competência do processo passa a ser do TRF-1. Porém, eles acabaram não sendo denunciados.
Junho de 2013
MPF pede o desmembramento do processo para que fique em Brasília somente o caso Amastha. Processo é desmembrado e autos são entregues aos procuradores em Florianópolis em dezembro daquele ano.
Outubro de 2014
Os procuradores da República Eduardo Barragan Serôa da Motta e João Marques Brandão Neto pedem o arquivamento do inquérito em relação a 19 crimes incluídos no inquérito inicial por motivo de prescrição.
Dezembro de 2014
Com 132 páginas, denúncia do MPF é apresentada à Justiça Federal. No total, são 48 denunciados, sendo 21 ligados a empreendimentos, 15 servidores públicos (11 municipais, um estadual e três federais) e 12 empresas.
Segundo semestre de 2016
Ocorreram as primeiras audiências na Justiça. Foram feitas audiências para ouvir testemunhas de acusação.