Pelo menos sete advogados gaúchos são suspeitos de receber dinheiro de uma operadora de telefonia para prejudicar os próprios clientes em ações milionárias na Justiça. Entre os investigados, estão ex-integrantes do Judiciário e do Ministério Público. O suposto esquema foi revelado nesta segunda-feira (15) pelo Jornal do Almoço, da RBS TV.
Na semana passada, a promotoria especializada criminal realizou operação, até então mantida sob sigilo, na qual cumpriu buscas nos escritórios e residências de dois advogados de Taquara. Evandro Montemezzo e Flávio Carniel são suspeitos de receber R$ 15 milhões da Oi para desistir de ações nas quais buscavam valores em nome de clientes, referentes a ações da antiga CRT.
– Esses processos já estavam em várias fases, alguns deles em fase quase de pagamento da empresa de telefonia para as pessoas. Como em um passe de mágica, a partir do contato dos advogados da empresa de telefonia, os advogados (dos clientes) renunciavam ao direito dessas pessoas, traindo a confiança que eles deveriam ter para com as pessoas que representavam – explica o promotor Flávio Duarte, responsável pela investigação.
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Sem saber dos acordos, alguns ex-acionistas não recebiam nada, e outros, pequenas quantias, caso de uma funcionária pública de Taquara, que prefere não ser identificada. Ela recebeu apenas R$ 1,4 mil e desconfiou. Acabou descobrindo no Fórum que a indenização era muito maior: R$ 270 mil.
– Fiquei chocada porque fui lesada duas vezes: uma pelo direito que eu tinha pela Brasil Telecom e outra por um profissional que eu contratei – reclama a funcionária pública.
Para desistir das ações, os advogados de Taquara teriam recebido R$ 15 milhões da operadora. O dinheiro teria sido entregue pelo advogado e procurador de Justiça aposentado Ricardo de Oliveira Silva, contratado pela Oi para realizar o acerto.
– A partir da quebra do sigilo bancário, se constataram-se pagamentos de valores da operadora de telefonia para o escritório de advocacia que representava essa operadora em Porto Alegre e, depois, o imediato repasse desses valores para sociedades de advogados das quais esses dois advogados investigados faziam parte – explica o promotor.
O escritório do advogado contratado pela Oi, em Porto Alegre, também foi alvo de buscas. Silva, que chegou a concorrer ao cargo de chefe do Ministério Público, teve bens bloqueados para garantir eventual ressarcimento às vítimas. Ele também é investigado na Polícia Federal de Passo Fundo. A suspeita é de que tenha repassado dinheiro a outros dois colegas para que eles realizassem acordos judiciais prejudicando os clientes, como no caso de Taquara.
O delegado Mário Vieira diz que Roger Maurício Bellé, de Bento Gonçalves, e Cassio Viegas de Oliveira, de Montenegro, representavam vítimas que tinham direito a mais de R$60 milhões. Em um dos processos, R$ 12 milhões seriam destinados a cinco clientes. Em vez de dividir esse total, cada um teria recebido apenas R$ 15,5 mil. Em depoimento, uma das vítimas disse que desconhecia o acordo e que esperava receber o valor integral.
– Um escritório acordava com o outro para desistir do processo e, obviamente,pela investigação que nós estamos levando a cabo, 40% a Brasil Telecom pagava por fora e não por dentro do processo em acordo judicial. Tudo ilegalmente, com fraude, organização criminosa, praticando estelionato, falsidade ideológica, enganando as vítimas – afirma o delegado Vieira.
Os advogados de Bento Gonçalves e Montenegro eram ligados ao escritório de Maurício Dal Agnol, de Passo Fundo, já indiciado por supostamente ter recebido R$ 50 milhões da operadora para prejudicar mais de 5 mil clientes.
Em Santa Cruz do Sul, três advogados foram denunciados pelo mesmo motivo. Entre eles, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça Moacir Haeser. Ele e os colegas Augustinho Telöken e João Pedro Weide teriam feito acordos que prejudicaram os próprios clientes. No processo em que uma aposentada e outras quatro pessoas teriam direito a receber R$ 525 mil, o valor caiu para R$ 262 mil.
– As pessoas acabam desacreditando em tudo, a gente fica sem ter o que dizer. Não dá para confiar em nada, a gente confia e leva o golpe – diz o catador Paulo Ubirajara de Moura, filho da aposentada.
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CONTRAPONTOS
O que diz a Oi:
Em nota, a empresa de telefonia Oi, que comprou a Brasil Telecom, "refuta ilações de que tenha atuado de forma irregular em acordos na Justiça". "Cumprindo seu direito e suas obrigações (...) a Oi contratou advogados para representá-la na esfera judicial em busca de acordos legítimos, seguindo os ritos previstos na lei", e "honrou todos os pagamentos de acordos celebrados judicialmente ou extrajudicialmente com advogados regularmente constituídos".
Ainda de acordo com a empresa, "segundo noticiado, os valores recebidos pelo representante dos autores das ações não foram repassados a seus respectivos clientes, do que decorre, obviamente, a responsabilidade exclusiva desses advogados, e não da Oi".
Por fim, em relação ao caso que envolve os acordos celebrados em Taquara, a empresa afirma que até o momento "não é objeto da investigação mencionada pela reportagem", e diz confiar "na técnica e discernimento das autoridades investigativas", se colocando "à disposição para prestar eventuais esclarecimentos a fim de contribuir com as apurações em curso".
O que diz Ricardo de Oliveira Silva, advogado contratado pela Oi:
O advogado não retornou o pedidos de entrevista.
O que dizem os advogados dos ex-acionistas da CRT:
- Augustinho Telöken e João Pedro Weide
Os advogados disseram que todos os acordos realizados foram benéficos aos clientes e que todos eles receberam o dinheiro a que tinham direito.
- Moacir Haeser
O advogado afirmou que considera a denúncia uma injustiça e que os acordos foram feito com base em decisões de instâncias superiores de justiça.
- Evandro Montemezzo
Na terça-feira (16), o advogado enviou uma nota afirmando que "não praticou nenhum ato contrário aos poderes que lhe foram outorgados pelos seus clientes" e que atuou "dentro dos limites do instrumento de representação nas ações que patrocinou em detrimento da Oi Brasil Telecom S.A. e, sobretudo, resguardando todos os direitos e interesses de seus clientes". Montemezzo afirma ainda que todos os seus clientes receberam os valores devidos, "os quais foram estipulados pelos juízos competentes".
- Flávio Carniel
O advogado nega o envolvimento no caso e disse que todos os pagamentos feitos aos clientes ocorreram dentro da lei.
- Roger Bellé
A defesa de Bellé nega a acusação e diz que o advogado era apenas um parceiro do advogado Maurício Dal Agnol, que era quem sacava os valores e entregava os cheques para Bellé distribuir aos clientes.
- Cássio Viegas de Oliveira
O advogado declarou que não vai se manifestar porque não foi comunicado da investigação.
- Maurício Dal Agnol
A defesa do advogado disse que os acordos foram favoráveis aos clientes, que chegaram a receber valores acima da média.