Em 2011, Uruguaiana entrou para o cenário estadual com uma iniciativa pioneira. Foi o primeiro município gaúcho a privatizar o serviço de água e esgoto, abrindo precedente para que outros seguissem o mesmo caminho.
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Assinado com a Odebrecht Ambiental – à época, chamava-se Foz do Brasil –, o contrato decorreu da insatisfação do então prefeito, Sanchotene Felice (ex-PSDB, hoje Rede), com a operação prestada pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Antes, porém, percorreu uma série de contestações até ser sacramentado.
Felice rompeu com a Corsan em 2008, em razão da falta de execução de obras na cidade – 91% da população não tinha esgoto sanitário em casa. Mas uma enxurrada de ações judiciais questionaram a lisura do processo, o que atrasou em mais de três anos o início da operação da Odebrecht Ambiental no município.
– O processo era discutido no Ministério Público Federal, depois no Ministério Público de Contas, avançava, recuava, até que o contrato fosse assinado, o que ocorreu somente em 2011 – recorda o ex-prefeito Luiz Augusto Fuhrmann Schneider (PSDB), antigo correligionário de Felice.
Indícios de direcionamento da licitação para que a Odebrecht Ambiental saísse vencedora foram alvo de ações movidas pela própria Corsan e ao menos outras três entidades _ a Associação de Engenheiros da companhia, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado (Sindiágua-RS) e o Sindicato das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem no Estado (Sincepot-RS). “A Corsan sempre contestou esta licitação, fomos os primeiros a apontar o conluio”, disse, em e-mail, o advogado da companhia, Ciro Gaertner.
Entre as discussões, a mais profunda deu-se no Tribunal de Contas do Estado (TCE), que chegou a suspender a concorrência e pedir modificações no contrato após constatar irregularidades no edital.
Houve, ainda, uma ação da Corsan que pedia o pagamento da indenização de R$ 72 milhões pela prefeitura antes que a empresa assumisse, de fato, o serviço. O caso chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o processo foi suspenso. Ao fim, as decisões acabaram favorecendo o interesse da prefeitura na concessão do serviço e o da Odebrecht Ambiental de assumi-la.
Depois de instalada, a empresa deu início a uma série de obras subterrâneas para ampliar o sistema de saneamento. Pavimentos abertos e ruas bloqueadas começaram a incomodar os moradores, e, em 2015, a Câmara dos Vereadores instalou uma CPI para investigar eventuais irregularidades no cumprimento do contrato. Meses depois, a comissão foi encerrada sem que fossem constatadas ilegalidades.
A CPI está citada na delação do ex-diretor da Foz do Brasil, antigo nome da Odebrecht Ambiental, Paulo Welzel. Segundo ele, houve repasse de caixa 2 no valor de R$ 420 mil para candidatos a prefeito e vereador de Uruguaiana em 2012. O objetivo seria manter a “boa relação” na cidade. “Apesar das contribuições, a contrapartida foi a criação de uma CPI”, queixou-se, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF).
O prefeito à época da concessão não consta na lista de supostos beneficiados citados pelos delatores da empreiteira. Zero Hora entrou em contato com Felice, mas não conseguiu localizá-lo – segundo o filho, Pedro, o pai passa o feriado de Páscoa no Litoral. No ano passado, ele tentou concorrer mais uma vez à prefeitura, mas teve a candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral.
Conforme dados da Odebrecht Ambiental, foram investidos cerca de R$ 110 milhões no município, e a disponibilidade de redes para o tratamento de esgoto subiu para 85%. O contrato de concessão tem validade de 30 anos.