Na manhã de quarta-feira, o locutor de uma rádio uruguaianense lia, no ar, a informação que recém chegara à emissora pelo WhatsApp: 10 políticos da cidade haviam sido citados em delações de executivos da Odebrecht por suspeita de caixa 2. Mas, em meio ao noticiário, atrapalhou-se e mudou o tom de voz. O companheiro de emissora Antônio Egídio Rufino de Carvalho estava na lista de suspeitos.
– Disse "opa, meu colega de bancada, nosso âncora, também está aqui". Dei uma parada e pensei "poxa, até ele". Depois, segui com a notícia – conta Luis Alberto Goulart.
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Rapidamente, o caso tornou-se folclore na cidade. Afinal, políticos locais se viram citados no maior escândalo de corrupção da história do país. Em um município de 130 mil habitantes, é como se cada morador conhecesse de perto ao menos um envolvido na Lava-Jato.
Foi assim que a fronteiriça Uruguaiana, situada a mais de 2 mil quilômetros de Brasília, epicentro da crise política, entrou na imensa lista nacional de indícios de corrupção. Dez parlamentares da cidade foram mencionados por dois executivos da Odebrecht ao Ministério Público Federal (MPF) como beneficiários de repasses ilegais que somam R$ 540 mil. No município, comenta-se que a conhecida "delação do fim do mundo" chegou, também, ao fim do Brasil.
De acordo com os delatores, prefeito, ex-prefeito, deputado estadual e vereadores receberam caixa 2 nas campanhas eleitorais de 2012 e 2014. A empreiteira está inserida em Uruguaiana desde 2011, quando, após um polêmico processo de concessão, passou a controlar o sistema de água e esgoto por meio da Odebrecht Ambiental. Na versão dos delatores, a contribuição ilegal se fazia necessária para manter o "bom relacionamento" com os agentes públicos.
Valores recebidos em diferentes locais
Diretor da Odebrecht Ambiental, braço da empreiteira que atua no setor de saneamento, Guilherme Paschoal afirma que a empresa repassou, em 2014, doações irregulares para o deputado estadual Frederico Antunes (PP), que disputou vaga na Assembleia Legislativa, e para o atual prefeito, Ronnie Mello (PP), que buscava lugar na Câmara dos Deputados.
– Uruguaiana é a nossa única concessão no Rio Grande do Sul, um Estado em que a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) possui uma rixa muito grande quanto aos serviços prestados por empresas no setor de água e esgoto. Então, a gente precisava manter uma boa relação institucional no município e no Estado – justificou o delator.
Os pedidos de doação aos candidatos teriam sido recebidos pelo diretor da empresa em Uruguaiana, Eduardo Frediani. Paschoal conta que se reuniu com Antunes em seu gabinete, na Assembleia, e com Mello em um hotel próximo ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Os repasses teriam sido aprovados por Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental, e entregues na Capital.
De acordo com a delação, um assessor do deputado estadual, que na planilha tinha o codinome de Zorro, recebeu R$ 70 mil em um café próximo ao portão de desembarque do aeroporto de Porto Alegre. Já Mello, chamado pelos executivos de Bebê, teria sido beneficiado com R$ 50 mil em local não mencionado.
Candidatos à prefeitura em 2012 também são citados
Outro delator da Odebrecht referiu-se ao pagamento de caixa 2 para candidatos à prefeitura e à Câmara de Vereadores de Uruguaiana na campanha municipal de 2012. Ex-diretor da Foz do Brasil, antigo nome da Odebrecht Ambiental, Paulo Welzel deu detalhes sobre o repasse que chegam a R$ 420 mil.
Segundo o executivo, os então candidatos a prefeito Luiz Augusto Fuhrmann Schneider (PSDB) – que levava o codinome de Poste – e Francisco Azambuja Barbará – chamado de Tubo – receberam R$ 100 mil cada. A outro postulante ao comando do município, Ilson Mauro da Silva Brum (PP), teria sido pago R$ 50 mil.
O objetivo, segundo Welzel, era "garantir a normalidade do cumprimento contratual, evitando oposições artificiosas e dificuldades que ocorrem em determinados municípios". Ele ainda cita o repasse de R$ 170 mil divididos entre os candidatos a vereador Antônio Egídio Rufino de Carvalho (Rede, ex-PSDB), Josefina Soares Bruggemann (PP), Jussara Osório de Almeida (Rede), Luiz Fernando Franco Malfussí (PSDB), Rafael da Silva Alves (PMDB) e Ronnie Mello (PP). Todos eram tratados pelo codinome Bacia.
Naquele ano, Schneider elegeu-se prefeito. Hoje afastado da atividade política, ele rejeita o recebimento de caixa 2 e conivência com a empresa, citando, inclusive, a criação de comissão municipal para fiscalizar os serviços prestados pela concessionária, a quem aplicou multas milionárias.
– Não pedimos nem recebemos recursos da Odebrecht. Tínhamos um comitê que fez a gestão financeira da campanha e temos tranquilidade para apresentar essas informações. Estamos no aguardo de mais informações sobre o processo, porque vemos imprecisões nas delações – afirma.
Os citados
Frederico Antunes (PP)
Cargo: deputado estadual
Codinome: Zorro
O que pesa: teria recebido R$ 70 mil na campanha para deputado estadual em 2014.
Contraponto: não retornou as ligações de Zero Hora.
Ronnie Mello (PP)
Cargo: prefeito de Uruguaiana
Codinome: Bebê
O que pesa: teria recebido R$ 30 mil para campanha a vereador de Uruguaiana em 2012 e R$ 50 mil para campanha a deputado federal em 2014.
Contraponto: Nega qualquer recebimento de caixa 2 e encontro com executivos da Odebrecht Ambiental. Diz desconhecê-los. Acrescenta que coloca as suas informações bancárias e doações de campanha à disposição dos investigadores.
Luiz Augusto Fuhrmann Schneider (PSDB)
Cargo: ex-prefeito de Uruguaiana
Codinome Poste
O que pesa: teria recebido R$ 100 mil para a campanha à prefeitura em 2012.
Contraponto: nega as acusações de recebimento de caixa 2 e indica uma possível estratégia dos delatores de "levantar suspeitas sobre todos os agentes políticos" onde a empresa possui concessões.
Francisco Azambuja Barbará (PMDB)
Cargo: ex-vereador e candidato a prefeito de Uruguaiana em 2012
Codinome: Tubo
O que pesa: teria recebido R$ 100 mil para a campanha à prefeitura em 2012.
Contraponto: diz que coloca à disposição os seus sigilos fiscal, bancário e telefônico. Afirma não ter qualquer relação com alguém ligado à Odebrecht.
Ilson Mauro da Silva Brum (PP)
Cargo: ex-vereador e candidato a prefeito de Uruguaiana em 2012
Codinome: Contra
O que pesa: teria recebido R$ 50 mil para a campanha à prefeitura em 2012.
Contraponto: diz-se chocado com as acusações e cita que, na Câmara de Vereadores, costumava denunciar que a Odebrecht era danosa para o município e que teve como proposta de campanha romper o contrato.
Antônio Egídio Rufino de Carvalho (Rede, ex-PSDB)
Cargo: ex-vereador de Uruguaiana
Codinome: Bacia
O que pesa: teria recebido R$ 30 mil para a campanha a vereador em 2012.
Contraponto: diz que gostaria de saber quem lhe entregou esse valor e onde foi aplicado, uma vez que, segundo ele, não existiu esse repasse.
Josefina Soares Bruggemann (PP)
Cargo: vereadora de Uruguaiana
Codinome: Bacia
O que pesa: teria recebido R$ 30 mil para a campanha a vereadora em 2012.
Contraponto: declara que nada deve e que, se alguém tem de falar algo, é o seu partido. Acrescenta que inclusive foi favorável à CPI contra a Odebrecht na Câmara de Vereadores.
Jussara Osório de Almeida (Rede)
Cargo: ex-vereadora de Uruguaiana
Codinome: Bacia
O que pesa contra: teria recebido R$ 30 mil para a campanha a vereadora em 2012.
Contraponto: afirma que nunca recebeu valores da Odebrecht e que está tranquila. Diz, ainda, que é uma "atitude irresponsável" divulgar a lista de políticos citados nas delações.
Luiz Fernando Franco Malfussí (PSDB)
Cargo: ex-suplente de vereador de Uruguaiana
Codinome: Bacia
O que pesa contra: teria recebido R$ 25 mil para a campanha a vereador em 2012.
Contraponto: diz que está surpreso e que "nunca teve nada a ver com a Odebrecht".
Rafael da Silva Alves (PMDB)
Cargo: vereador de Uruguaiana
Codinome: Bacia
O que pesa contra: teria recebido R$ 25 mil para a campanha a vereador em Uruguaiana em 2012.
Contraponto: afirma que não recebeu dinheiro da Odebrecht, mas que não pode dizer que o seu antigo partido, o PSDB, não tenha recebido.