Nos últimos anos, tem aumentado o número de casais que experimentam o que se convencionou chamar "relacionamento aberto". São relações amorosas nas quais a forma mais convencional, a monogâmica, é colocada em questão. Aposta-se na possibilidade de viver o erotismo também com outros parceiros, dentro de regras estabelecidas consensualmente entre o casal.
Uma das razões que têm levado muitos a se aventurarem nessas relações é a ideia contemporânea de liberdade. Nos pensamos como indivíduos autônomos, portadores de anseios e desejos legítimos, nem sempre compatíveis com os do outro. Não lidamos bem com a ideia de submeter nossas vontades ao outro – assim como de submetê-lo às nossas. Custa-nos abrir mão dessa liberdade, e abrir o relacionamento acaba sendo uma maneira de tentar lidar com os conflitos que advêm daí.
Outra razão é a aceitação da ideia de que amor e desejo nem sempre são confluentes. Para muitas pessoas e casais, amor e desejo sexual andam juntos, mas, para outros, não é assim. Nesses casos, as escolhas em um relacionamento monogâmico são restritas: pode-se tentar silenciar o desejo ou vivê-lo na fantasia, ou clandestinamente na famigerada traição. Por isso, muitos casais que experimentam descompassos entre amor e desejo têm buscado em formas “abertas” outras soluções para esses impasses.
Há quem demonize esses novos acordos, atribuindo-os a pessoas imaturas, egoístas, incapazes de amar verdadeiramente. Apocalípticos anunciam o fim da família e dos tempos, esquecendo, ingenuamente ou não, que nos “bons tempos” da monogamia esta era, não raro, apenas de aparências. Na própria psicanálise, houve quem considerasse a relação heterossexual monogâmica índice de saúde psíquica, até mesmo objetivo da “cura” – por sorte, são poucos os psicanalistas que ainda sofrem desse ideal normatizador.
Apesar dos ares de novidade, sempre houve relacionamentos abertos. Nem sempre se deram sob o manto de hipocrisia dos que alardeiam suas virtudes monogâmicas enquanto frequentam outros lençóis. Também há quem sempre tenha buscado renegociar os termos da relação, à medida que caducavam os vigentes. O novo talvez seja que, atualmente, essas formas têm ganhado espaço na esfera pública: podem existir além da intimidade.
Relacionamentos abertos, no entanto, têm sido com frequência exaltados como solução aos impasses da monogamia, considerada caduca e ilegítima. Há muitas vezes uma expectativa idealizada de que, retiradas as amarras ao desejo, acabariam os desencontros na esfera amorosa. Não raro, há quem se imponha um relacionamento aberto, seja por medo de perder o amor do parceiro ou para estar de acordo com as tendências. Assim, a liberdade anunciada pode acabar sendo, para muitos, uma prisão – tão cruel como é, para outros, a monogamia.
Idealmente, todos os relacionamentos – até os monogâmicos – seriam abertos. Não no sentido dessa liberdade amorosa e sexual utópica, mas abertos a acolher a singularidade de cada parceiro e de cada tempo da relação. O desencontro está no DNA dos relacionamentos, mais ainda dos amorosos: não há fórmula que resolva definitivamente seus imbróglios, os conscientes e os inconscientes. Alguma abertura é sempre necessária para que a experiência da relação não seja sufocada pelas formas – antigas ou atuais.
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.