Nos últimos dois anos, devido ao agravamento da crise econômica e ao aumento da taxa de desemprego, 78,6 mil pessoas deixaram os planos de saúde no Rio Grande do Sul – um contingente correspondente à população de Lajeado, no Vale do Taquari. No Brasil, foi registrado recuo de 2,7 milhões de usuários da chamada saúde suplementar no período.
Quinto colocado no ranking nacional, o Estado tem hoje 2,66 milhões de beneficiários, quase 3% a menos do que em 2015, conforme dados referentes a janeiro divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em todo o país, 47,6 milhões de pessoas contam com convênios, queda de 5,4% em relação ao ano retrasado.
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Na avaliação do superintendente- executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro, esse resultado reforça o sinal de alerta para o setor, que pode enfrentar novas reduções no decorrer de 2017. De acordo com o dirigente, uma possível estabilidade do mercado vai depender da retomada da atividade econômica e da recuperação do emprego no país.
"O que nos deixa mais otimistas é que as mais recentes pesquisas de mercado, como o boletim Focus, do Banco Central, indicam expectativa de crescimento do PIB e estabilidade inflacionária, o que pode gerar um processo de retomada do desenvolvimento, do consumo e, também, do mercado de trabalho", diz Carneiro, em nota divulgada pelo IESS.
Com o número de desempregados batendo recorde no país e atingindo mais de 12 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), boa parte desse contingente que deixa de usufruir do plano de saúde agora passa a depender do Sistema Único de Saúde (SUS). Presidente da Associação Brasileira em Defesa dos Usuários do SUS (Abrasus), Terezinha Alves Borges afirma que a entidade – que oferece suporte técnico e jurídico para pacientes que precisam, por exemplo, de exames, remédios e cirurgias que devem ser fornecidos pelo SUS – vem registrando significativo aumento na demanda, especialmente nos últimos dois anos.
– Há casos de pessoas com doenças graves que, devido a dificuldades financeiras, acabam, muitas vezes, tendo que migrar para o SUS e não podem interromper o tratamento. Sem condições de esperar, eles nos acionam. Então, a judicialização da saúde vai ficar cada vez pior, como reflexo da crise e dessa debandada dos planos de saúde – avalia.
Segundo o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Vinícius Ximenes, sem investimento na saúde pública a migração de usuários de planos pode levar o SUS a atingir o teto de sua capacidade de atendimento (leia entrevista na página ao lado). Na contramão do aumento da procura por tratamento no sistema público, os repasses do Fundo Nacional de Saúde (FNS), que é o gestor financeiro dos recursos destinados ao SUS, na esfera federal, estão diminuindo. Conforme dados disponíveis no Portal Transparência da União, a verba destinada ao Rio Grande do Sul caiu 11,2% no ano passado, em comparação com 2015. Estado e municípios gaúchos receberam R$ 4,4 bilhões em 2016, ante R$ 4,9 bilhões em 2015, em valores corrigidos pela inflação. Em todo o país, esse recuo foi de 4,3%, totalizando R$ 75,5 bilhões no ano passado.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou que os dados do SUS sempre são crescentes e que não há como fazer uma relação com "a migração de pessoas dos planos privados para o SUS, pois o SUS é um sistema universal". Conforme a pasta, o sistema contabiliza procedimentos e não número de pessoas atendidas. Em 2015, foram realizados 4,12 bilhões de atendimentos e internações, ante 4,1 bilhões em 2014 – os dados referentes ao ano passado não foram divulgados. "Vale ressaltar que o financiamento da saúde pública, bem como a gestão, é compartilhado entre a União, que estabelece as diretrizes das políticas de saúde, e os Estados e municípios, responsáveis pela execução dos serviços e organização da rede de assistência à saúde da população", diz trecho da nota do ministério.
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ENTREVISTA: Vinícius Ximenes, professor da Faculdade de Medicina da UnB
O médico de família e sanitarista Vinícius Ximenes, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), afirma que, com a migração de usuários de planos de saúde, o SUS poderá atingir o teto de sua capacidade. Segundo o especialista em gestão e serviços de saúde, é preciso racionalizar recursos investindo na atenção primária (ou básica), que funciona como um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde.
A crise econômica é o principal motivo que tem levado brasileiros a abandonar o plano de saúde?
Sim, com certeza. Os planos de saúde foram, de certa forma, um artigo de consumo bastante desejado pelas famílias brasileiras nessa fase de expansão da economia e melhor distribuição de renda. Obviamente, a queda dessa condição geral das famílias tem um impacto importante.
Quais as consequências desse fenômeno?
A principal delas é o retorno de diversos pacientes para o SUS. Isso vai significar uma demanda maior, e as autoridades de saúde terão de contemplar a necessidade dessas pessoas que voltaram para o sistema.
O SUS tem hoje capacidade de absorver essa demanda?
Vai depender muito da própria evolução da política de saúde nos próximos tempos. Hoje, temos tido um crescimento importante das doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes, que são relacionadas ao envelhecimento. Dependendo de como o sistema de saúde vai se organizar nos próximos tempos, pode dar uma maior ou menor resposta a essas questões. Precisamos melhorar a atenção primária à saúde.
Com aumento na demanda, envelhecimento da população e teto para os gastos públicos, o SUS pode entrar em colapso?
Sem investimento, o SUS vai atingir o teto de sua capacidade. O atual cenário gera grande preocupação. Estudos internacionais mostram que sistemas de saúde fortemente baseados na atenção primária são muito mais eficientes. Ou seja: com o dinheiro que você tem, consegue produzir mais saúde. Mas essa não é a nossa realidade. Ainda há um esforço muito grande para ser feito.