A divulgação de trechos dos depoimentos dos executivos da Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no processo de cassação da chapa Dilma-Temer furou um bloqueio até então impermeável que vinha sendo mantido pela Lava-Jato. Desde que os funcionários da construtora assinaram acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, quase nada se sabia sobre o teor das revelações.
A exceção havia sido o vazamento, no final do ano passado, de parte das informações passadas aos procuradores pelo ex-diretor de Relações Institucionais do grupo, Claudio Melo Filho. Agora, porém, vieram à tona detalhes sobre o financiamento ilegal de campanha dos principais protagonistas nas eleições presidenciais de 2014.
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Embora, em geral, ações que tramitam na Justiça Eleitoral quase nunca sejam cobertas por sigilo, os depoimentos prestados sob regime de colaboração premiada da Odebrecht foram mantidos em segredo pelo TSE. Foi uma exigência da própria PGR, uma vez que grande parte das informações haviam sido fornecidas em primeira mão aos investigadores da Lava-Jato.
O compartilhamento de dados havia sido pedido pelo antigo relator do caso no TSE, ministro Otávio Noronha. Juiz da Lava-Jato na primeira instância, Sergio Moro não só aceitou remeter as provas como também sugeriu que os delatores fossem inqueridos pela corte eleitoral. Dos 78 executivos da Odebrecht que colaboram com a Lava-Jato, sete estão prestando esclarecimentos ao tribunal.
Além do poder de provocar a cassação de Temer e tornar Dilma inelegível, as revelações embasam uma nova leva de pedidos de inquéritos e denúncias criminais que serão apresentadas em breve contra dezenas de políticos no Supremo Tribunal Federal. A despeito de um eventual prejuízo à investida da PGR no Supremo, a divulgação de parte dos depoimentos prestados ao TSE não deve ser investigada. Questionado oficialmente, o tribunal não comenta a difusão das informações. Todavia, servidores da Corte dizem que tecnicamente não houve vazamento ilegal, pois não surgiram gravações em áudio ou vídeo das audiências, tampouco reprodução de autos do processo. - Muito provavelmente essas informações publicadas pela imprensa foram repassadas por alguém que estava na audiência. É uma coisa mais boca a boca, corriqueira, embora não recomendável. Não há muito o que fazer - comenta uma fonte do TSE.
Como os vazamentos implicaram os protagonistas das eleições de 2014
Dilma Rousseff
Ao depor ao ministro Herman Benjamin, Marcelo Odebrecht disse que jamais conversou com a ex-presidente sobre doações eleitorais. Indagado três vezes se Dilma havia solicitado dinheiro em alguma oportunidade, manteve a negativa. O empresário, contudo, declarou que a petista tinha conhecimento que pessoas vinculadas ao seu governo solicitavam doações via caixa 2. Embora tenha calculado ter repassado ao PT em torno de R$ 300 milhões entre 2008 e 2014, Marcelo Odebrecht não citou o nome desses supostos interlocutores. Apenas afirmou que os recursos eram manipulados pelos ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega. Odebrecht também relatou ter repassado dinheiro, em conta no Exterior, ao marqueteiro das campanhas petistas João Santana. Durante encontro com Dilma no México, ele inclusive teria informado a ela que esses pagamentos estavam "contaminados" pelo uso de offshores da empreiteira normalmente utilizados para repasse de propina. Somente na eleição de 2014, 80% dos R$ 150 milhões doados ao partido teriam sido via caixa 2. Deste valor, R$ 50 milhões teriam sido contrapartida pela edição de uma medida provisória que atendia aos interesses da Odebrecht.
Michel Temer
No mesmo depoimento ao TSE, Marcelo Odebrecht disse ter participado de um jantar no Palácio do Jaburu em maio de 2014, a convite do então vice-presidente Michel Temer. Na ocasião, Temer teria pedido contribuição do empresário para as campanhas do PMDB, porém não citou valores. A discussão sobre cifras teria ocorrido antes e depois do jantar, na ausência de Temer. O valor da doação, R$ 10 milhões, foi acertado com Eliseu Padilha, tratado pelo ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Claudio Melo Filho, como "preposto de Temer". Ainda no jantar, Marcelo definiu que os recursos seriam repassados por uma das empresas do grupo, a Odebrecht Infraestrutura. Dos R$ 10 milhões, R$ 6 milhões seriam repassados ao candidato do partido ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, que já havia feito um pedido preliminar de recursos. Padilha teria ficado com os R$ 4 milhões restantes, para distribuir aos demais candidatos da legenda. Conforme Melo Filho disse aos investigadores da Lava-Jato, pelo menos R$ 1 milhão teria sido entregue no escritório do advogado José Yunes, amigo pessoal de Temer e ex-assessor especial da Presidência. O dinheiro teria como destinatário final Padilha.
Aécio Neves
Além das doações à chapa de situação, Marcelo Odebrecht disse que também repassou dinheiro ao candidato de oposição, Aécio Neves (PSDB-MG). Ele teria se reunido com o tucano em três ocasiões. Na última vez, às vésperas do primeiro turno e assustado com crescimento súbito da candidatura de Marina Silva (PSB) nas pesquisas, Aécio teria solicitado R$ 15 milhões. Marcelo negou o pedido, alegando que era elevado demais. O tucano então teria insistido, alegando que precisava de recursos para as demais campanhas do partido, do qual era presidente. O acerto acabou ocorrendo, mas entre o ex-diretor da Odebrecht em Minas Gerais, Sérgio Neves, e Oswaldo Borges da Costa, "tesoureiro informal" de Aécio. Planilhas apreendidas pela Lava-Jato registram repasse de R$ 15 milhões a "Mineirinho", codinome atribuído a Aécio. Também em depoimento ao TSE, o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedito Júnior, disse que a empreiteira pagou R$ 9 milhões via caixa 2 a Aécio. O dinheiro teria sido usado nas campanhas de Pimenta da Veiga ao governo de Minas Gerais, de Antonio Anastasia ao Senado e de Dimas Toledo Júnior a deputado federal pelo PP. Outros R$ 3 milhões teriam sido enviados ao publicitário de Aécio, Paulo Vasconcelos.