O clima é frio, a cidade é industrial, conservadora e não gosta de Carnaval. Ideias assim sobre Caxias do Sul há muito acompanham as convicções de quem mora aqui e até de quem vem de fora. Em 2011, no entanto, uma força surgiu na contramão desses clichês, como se fosse um grito de resistência alertando para algo que muitos caxienses nem suspeitavam: aqui também se curte uma folia.
O Bloco da Velha, que começou como um pequeno grupo de frequentadores da livraria Do Arco da Velha, foi o primeiro a fazer o chamamento para a rua. No domingo, na sétima edição, mais de 40 mil pessoas participaram. Além disso, a partir do Bloco da Velha, a cada ano surgem novos blocos independentes que dão uma cara bem mais divertida à cidade nesta época do ano.
– Se solidifica de uma maneira que não tem como voltar atrás – avaliou Graziela Martins, uma das organizadoras do Bloco da Velha.
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Viajar para fora da cidade nesta época do ano era um costume da família da publicitária Virginia Boff, 46 anos. Ela estava participando do Bloco da Velha pela primeira vez, com os filhos gêmeos, Luiza e Afonso, de quatro anos.
– Caxias precisava disso. Eu tinha receio de trazer eles (as crianças), mas estão adorando. A festa é muito legal, tomara que continue tendo cada vez mais adesão – comentou.
Já a recepcionista Flávia Albuquerque, 54, é da ala dos órfãos das festas de Carnaval de clube. Ela viu nos blocos de rua a chance de retomar a folia que ficou por alguns anos recolhida.
– Caxiense é muito de não se soltar, parece que tem medo de demonstrar alegria. Agora é outra visão. A animação é a melhor coisa desse bloco – apontou ela.
Ao longo do tempo, Caxias foi ganhando adeptos do carnaval de bloco com iniciativas como o Bloco da Ovelha, o carnaval do Bar Zanuzi, o MaraCaxias e o Acadêmicos do Luizinho (que estreou este ano), entre outros. Dentro do próprio Bloco da Velha, muitos grupos surgem para deixar a festa ainda mais plural. É o caso do Fugidos do Armário, bloquinho criado por frequentadores da casa noturna Level, que levanta a bandeira da diversidade de gênero e da liberdade.
– Olha quantos bloquinhos temos aí, é um crescimento. Sinal de que o Carnaval de bloco finalmente chegou em Caxias para ficar – apontou Felipe Esteves.
Já a irmãs caxienses Fabiana, Cinara e Andréia Belíssimo, de 45, 39 e 37 anos, criaram um bloquinho para homenagear a mãe, Dona Madalena, que morreu em novembro. A paixão pela folia herdada de família visita o Bloco da Velha, com a intenção de nunca morrer.
– Isso é muito sadio, a gente se diverte, brinca – justifica Cinara.
A alegria do Bloco da Velha fisgou gente que até nunca foi muito adepta às festas de Momo. Dona Maria Rodrigues, 85, participou pela segunda vez e diz que gosta de ficar observando a animação, uma "oportunidade de desestressar". Ao se despedir da equipe do Pioneiro, a idosa demonstra certeza de que ela, e Caxias, abraçaram o Carnaval de vez:
– Até o ano que vem.
A alegria que se impõe
O Carnaval em Caxias pode até ter tido um renascimento por conta dos blocos de rua, mas é evidente e histórica a importância da festa protagonizada pelas escolas de samba. E essa, Caxias não viu este ano. A decisão da prefeitura em cortar verbas para a folia que ocorreria na Rua Plácido de Castro acabou inviabilizando os desfiles. Assim, algumas escolas fizeram festas fechadas em seus barracões, outras nem isso.
– Esses cortes prejudicaram pessoas que não têm como reagir, não têm como viajar e acompanhar as escolas em outras cidades, por exemplo. É uma história sendo desrespeitada, jogada no lixo – criticou Valdir dos Santos, artista plástico e carnavalesco há 25 anos.
– Talvez a crise possa significar algumas possibilidades criativas até mesmo no corte de custos, daquela coisa mais glamourosa, na tecnologia, de paetês, plumas e, talvez, quem sabe, haja uma valorização mais do samba – opinou o escritor Lira Neto, em entrevista ao caderno Sete Dias.
Para Santos, os blocos têm contribuído muito para que haja um novo reconhecimento dos caxienses com relação ao Carnaval. Apesar de acompanhar com bons olhos as iniciativas que têm pipocado em Caxias, o carnavalesco defende que o Carnaval de rua (das escolas de samba) precisa ser igualmente valorizado.
– Os blocos também são uma ousadia, mas nenhum vai tomar o lugar do outro. Estou vendo o pessoal do Bloco da Velha passar e isso me diz que a cidade pulsa, independentemente do que as autoridades autorizam ou não. A alegria é espontânea e é um direito. Tem criança, velho, gente fantasiada. Isso nenhuma autoridade é capaz de proibir.