A promessa da prefeitura de criar um grupo de trabalho focado em ajudar a comunidade senegalesa em Caxias do Sul foi recebida com misto de otimismo e preocupação pelos imigrantes. Otimismo porque, nos últimos oito anos, eles nunca tiveram uma abertura tão grande para dialogar com o poder público sobre suas necessidades. E preocupação porque, impedidos de seguir vendendo mercadorias nas calçadas com a intensificação de operações contra o comércio informal, pelo menos 40 senegaleses que recorriam a essa prática não sabem como se sustentar até arrumar emprego.
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– Nós somos trabalhadores. Recorremos à venda de rua quando perdemos emprego, mas só até arrumar outro. É o meu caso, que trabalho na construção civil. Nós não temos dinheiro, nem mercadoria suficiente para abrir uma loja. A gente não quer ir contra a lei, mas acho que Caxias tinha que ter uma rua para esse tipo de venda, como existe em outras cidades grandes. Não é triste só pra nós, mas também pras pessoas mais humildes que não têm dinheiro para comprar produtos em lojas. São elas que compram de nós – diz Moussa Gning, 35 anos.
O que torna menor a preocupação quanto ao futuro próximo, sem a renda do comércio, é a solidariedade entre os senegaleses. Por cultura e princípio religioso, a comunidade nunca nega ajuda a quem está passando fome ou qualquer necessidade. O fato de hoje não chegarem mais tantos imigrantes quanto em anos anteriores permitiu uma melhor organização no sentido de oferecer auxílio.
– Muita gente está se perguntando o que vai fazer agora, porque está complicado de arrumar emprego. A própria crise fez aumentar o número de gente vendendo na rua. Mas a gente agradece ao prefeito por ter aberto espaço para conversar com a gente e tentar encontrar soluções. Já faz mais de cinco anos que moro aqui e é a primeira vez que percebo preocupação quanto ao que precisamos e o que estamos pensando. Mas não deixaremos nenhum irmão nosso passar dificuldade. Hoje, nós estamos mais unidos e organizados – comenta Abdou Lahat Ndiaye, o Billi, 28, referência para os senegaleses em Caxias.
Alternativas para seguir com comércio
Coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante, a irmã Maria do Carmo Gonçalves exaltou a postura da nova gestão quanto à situação dos senegaleses. Para a religiosa, no encontro de mais de duas horas o prefeito e a primeira-dama, Andrea Marchetto Guerra – que irá coordenar o grupo de trabalho em prol dos imigrantes –, mostraram-se preocupados em oferecer alternativas diante da impossibilidade de continuar com o comércio de rua.
– Nesses últimos oito anos, acho que foi o que aconteceu de mais interessante no sentido de abertura com o poder público para a situação dos imigrantes. Ao mesmo tempo em que o prefeito reiterou que a venda no centro não será mais permitida, se propuseram a encontrar soluções para que eles consigam se manter. Esses imigrantes nunca tinham ouvido um "bem-vindos" da boca do prefeito. O tratamento foi dado com muito respeito.
Coordenado pela primeira-dama junto com representantes das secretarias de Urbanismo, Cultura, Turismo, o grupo de trabalho terá a participação de senegaleses e também de Maria do Carmo.
– O grupo tentará encontrar alternativas para que eles possam continuar trabalhando com vendas, mas em um espaço regularizado, e ao mesmo tempo tenham mais oportunidades de inserção laboral e qualificação. É um sonho antigo que tínhamos, mas sempre esbarrava na repressão e não se buscava alternativas – explica Maria do Carmo.
Esta semana, o coletivo terá a primeira reunião para tratar de oportunidades de trabalho. No encontro, os senegaleses também irão entregar um levantamento com a formação técnica e a experiência de cada um daqueles que buscam trabalho. Estima-se que cerca de 700 senegaleses estejam morando em Caxias do Sul atualmente.
Entre as ações definidas, está um mutirão da Fundação de Assistência Social (FAS) para viabilizar, dentro do que a legislação permite, cestas básicas e bolsas de auxílio para as famílias que passam por dificuldades. O mutirão para cadastro dos migrantes começou na sexta-feira e prossegue hoje.
'Não estamos aqui para receber nada de graça'
Enquanto não arruma outro emprego, Moussa Gning irá usar da criatividade para garantir o sustento. Ele e o amigo Amadou Dia, 37, estão oferecendo serviços de aplicar películas em vidro de carro na hora, o que antes já conciliavam com as vendas. Ambos participaram da reunião com Daniel Guerra e valorizam o espaço aberto para o diálogo. Só acham que ainda falta um melhor entendimento quanto aos principais problemas que eles enfrentam longe de casa.
– Ouvimos que iremos ganhar cesta básica, mas isso não resolve nosso problema, porque nós precisamos de dinheiro para mandar para as nossas famílias. Essa é a razão de estarmos no Brasil. E não estamos aqui para receber nada de graça, mas para trabalhar e para contribuir com a cidade, pagando aluguel, comprando nossa comida no supermercado – ressalta Moussa.