Os índios caingangues que vestiram cocares e empunharam lanças e flechas na Avenida Júlio de Castilhos, na segunda-feira, e repetiram o gesto no dia seguinte, durante reunião na prefeitura de Caxias do Sul, não desafiaram as autoridades apenas porque estavam descontentes com a fiscalização contra a venda de produtos irregulares nas calçadas ou abalados pela agressão a um casal indígena. O ato representou sim uma tentativa de reafirmar a própria cultura numa região onde indígenas são quase invisíveis. Serviu também para reforçar que a união do grupo, que vive numa aldeia em Farroupilha e busca boa parte do sustento no comércio ambulante, é vital para a própria sobrevivência.
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Essa força pode ser constatada numa atitude aparentemente simples: enquanto a prefeitura convidara apenas um representante para participar do encontro que debateria a participação dos indígenas no comércio irregular de rua, os caingangues fizeram pressão para garantir que vários representantes da tribo estivessem frente a frente com secretários do prefeito Daniel Guerra. Os caingangues aceitaram o pedido de desculpas da secretaria municipal do Urbanismo, Mirangela Rossi, pela ação que prendeu dois índios que vendiam produtos na rua no sábado passado, operação fortemente questionada nas redes sociais e por antropólogos. Mesmo com o pedido de desculpas, eles não arredaram o pé do gabinete até ouvirem a promessa do governo municipal de que poderiam manter a atividade, ao menos até uma segunda ordem. Caso se sintam prejudicados outra vez, garantem: farão tudo outra vez.
Ressaltar a diferença
Para a antropóloga Beatriz Kanaan, ao carregar as armas típicas e vestir adereços, os indígenas tentam provar que preservam uma identidade.
– No momento em que dialogam com a comunidade branca, vamos dizer assim, estão equipados com o que resta da identidade deles. Em um mundo globalizado, parece que todos ficam iguais, mas eles tentam mostrar que não – analisa.
Na visão de Beatriz, a atitude também pode ser vista como uma inversão de papéis: se no passado ocupavam a terra quando os colonizadores chegaram, agora precisam se autoafirmar para encontrar o seu lugar. Para ela, as armas produzidas por eles também têm um valor simbólico:
– Parece que eles foram para a luta, mas simbolicamente. Eles estão falando na linguagem deles. Ah, e lembro que se fala de reação, não de ação.
Como no dia a dia se vestem com roupas tradicionais, são os traços físicos e a língua que os identificam quando estão pela Avenida Júlio de Castilhos comercializando chapéus, lenços e um pouco de artesanato. As lanças de madeira e com mais de um metro de comprimento ficam em casa – só foram levadas para a rua na segunda-feira, para uma possível defesa caso o episódio de sábado se repetisse, e na terça, no encontro na prefeitura, como símbolo da resistência. Na quinta-feira, por exemplo, parte dos índios pintou o corpo para receber a reportagem do Pioneiro e cantar músicas de boas-vindas.
A cacique Silvana Kréntánh Antônio assegura que a intenção não foi combater, mas se defender.
Preservação
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Cristiane Barcelos
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