O juiz Marcelo Bretas rompeu o comedimento que costuma se esperar de magistrados e, num trecho do despacho em que ordena nova prisão preventiva do ex-governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB) e do bilionário Eike Batista, ele usa até ponto de exclamação para justificar seus atos:
""As cifras são indubitavelmente astronômicas!", diz Bretas.
O juiz federal do Rio de Janeiro embasa as ordens de prisão na delação feita por dois irmãos, os doleiros Renato Hasson Chebar e Marcelo Hasson Chebar. Bretas ressalta que eles se apresentaram ao Ministério Público Federal (MPF) de forma espontânea, para falar o que sabem sobre as relações clandestinas do ex-governador Cabral com o mercado. E como sabem, a se julgar pelo que revelaram nos depoimentos.
Eles mencionaram ter remetido para outros países, por ordem de Cabral, mais de US$100 milhões (cerca de R$340 milhões de reais), "quantia muito superior àquela mencionada na denúncia oferecida na Operação Calicute", salienta o juiz Bretas.
"Não se trata de simples "declarações vazias, pois este juízo já tem sob sua custódia várias dezenas de milhões de reais, depositados em conta judicial, que foram repatriados por força das já mencionadas colaborações premiadas judicialmente homologadas", acrescenta o magistrado.
Cabral encontrou pessoalmente Renato Chebar numa rua próxima à lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. O ex-governador estava com colaboradores e se mostrou preocupado com uma investigação federal no Rio, que poderia rastrear conta que ele possui no Israel Discount Bank of New York (IDB/NY). A conta se chamava Eficiência (daí, o nome da fase da Lava-Jato desencadeada hoje).
Cabral então contratou Chebar para que seu dinheiro na conta Eficiência fosse transferido para duas outras contas do doleiro, denominadas "Silver Fleet" e "Alpine Grey". Para evitar rastreamentos, um assessor de Cabral passou a levar dinheiro ao escritório do doleiro, em remessas mensais.
"Os valores entregues variavam. Não havia um valor fixo, mas pode se dizer que variavam de R$ 50 mil a R$ 250 mil, transportados em mochila, pasta ou envelopes", relata Renato Chebar, em depoimento à Lava-Jato.
E por que Eike Batista teve decretada a prisão? Por ter mentido aos procuradores da República e ocultado milhões remetidos ao Exterior, explica o juiz Bretas, em seu despacho. Ele se embasa em relato detalhado do doleiro-delator Renato Chebar.
Chebar afirma ter sido procurado em 2010 por Carlos Miranda e Wilson Carlos, ex-secretários de Sérgio Cabral, para viabilizar o recebimento de US$ 16,5 milhões devidos por Eike Batista ao ex-governador. O delator diz que desconhece do que trata a dívida.
O doleiro diz ter se dirigido ao escritório do bilionário, na Praia do Flamengo (Rio), onde foi recebido por Flávio Godinho (ex-assessor de Eike, agora dirigente do Flamengo). Junto com Wilson Carlos, eles realizaram uma "engenharia financeira" para viabilizar o pagamento. Foi então celebrado um contrato de fachada entre as empresas Arcádia Associados S.A., de propriedade de Renato Chebar, e a Centennial Asset Mining Fund LLC, de propriedade de Eike Batista. A justificativa foi o falso objeto de intermediação da compra e venda de uma mina de ouro pelo Grupo X (pertencente a Eike).
O contrato foi assinado em 2011. Os pagamentos se deram através de transferência de títulos acionários e dinheiro da conta GOLDEN ROCK FOUNDATION no Tag Bank, para a Arcadia; O dinheiro foi depositado no Banco Winterbotham, no Uruguai, também em 2011.A sequência de remessas de dinheiro ocultadas por Eike justificou a ordem para prendê-lo, conclui o juiz.
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