Daniel Guerra prometeu, durante a campanha, atacar a informalidade dos ambulantes nas ruas. Num momento em que os empregos formais encolhem, o poder aquisitivo diminui e a crise bate às portas de toda a população, o novo prefeito terá de encontrar soluções que são mais complexas do que simplesmente tirar as mercadorias de circulação em uma ou outra blitz. Essa necessidade fica mais evidente nesta época, em que o comércio aposta todas as fichas para amenizar o prejuízo com perdas acumuladas de 7,7% ano e ainda enfrenta a concorrência com os comerciantes informais na porta das lojas.
No último sábado, a reportagem acompanhou como está a convivência entre os vendedores que pagam impostos, os ambulantes e os clientes no Centro no período pré-Natal. Espalhados ao longo de apenas três quadras da Avenida Júlio de Castilhos, centro deCaxias do Sul, 34 ambulantes anunciavam as promoções e novidades para o Natal. A oferta era ampla: cintos, carteiras, óculos, relógios, DVDs, pôsteres do Grêmio campeão da Copa do Brasil 2016, roupas, chapéus, panos de prato e cestos de palha, entre outros produtos e acessórios.
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Para os ambulantes, estender produtos de contrabando, pirataria ou irregulares nas calçadas é uma questão de sobrevivência por conta da crise econômica. Para os empresários legalizados, trata-se de concorrência desleal que fragiliza ainda mais quem tenta manter os empregos formais.
Nas calçadas e em frente às portas das lojas, os ambulantes cuidavam o fluxo com um olho e a fiscalização com o outro. Isso porque a prefeitura da cidade prometeu intensificar as "batidas" no mês de dezembro, época fundamental para o comércio. Na semana passada, o Sindilojas chegou a entregar ao prefeito Alceu Barbosa Velho e ao prefeito eleito, Daniel Guerra, uma notificação extrajudicial cobrando ações enérgicas até o fim de janeiro de 2017.
– Precisamos também da conscientização da população, que é extremamente prejudicada e muitas vezes não percebe. Se você adquirir um brinquedo de presente e ele tiver problemas de funcionamento, ou, pior, soltar peças que podem colocar a criança em risco, vai reclamar com quem? – indaga o presidente do Sindilojas, Sadi Donazzolo.
Apesar da promessa de mais rigor na fiscalização, nas três quadras da Júlio, que abrangem as ruas Dr. Montaury, Visconde de Pelotas e Garibaldi, é difícil circular sem esbarrar em alguma quinquilharia.
– DVD? Tá precisando de óculos novos? Chega aí pra olhar, não custa nada – oferece um ambulante.
– Bermuda da Nike ou camiseta da Adidas? – pergunta outro.
As mercadorias, de baixa qualidade, são procuradas principalmente por quem não tem condições de pagar mais nas lojas.
– Sei que é errado e só comprei por causa do preço – admite Marcos Oliveira, 42 anos, que levou dois óculos de um senegalês para presentear a esposa e a filha.
– O momento não é de gastar. Levo uma lembrancinha em conta, é o que dá – diz Paula Rodrigues, 33 anos, que comprou um anel para a presentear a irmã.
A estimativa do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade é que o Rio Grande do Sul deixa de arrecadar R$ 7 bilhões por ano somente em ICMS – um dos reflexos do comércio ilegal.
POR QUE O COMÉRCIO ILEGAL É RUIM?
:: Estimula a venda de produtos provenientes de contrabando ou descaminho;
:: Promove a comercialização de produtos sem a emissão de nota ou cupom fiscal, o que reduz o recolhimento de tributos e afeta os comerciantes devidamente estabelecidos;
:: O ambulante não está estabelecido legalmente e não possui alvará de localização;
:: Em caso de problema ou dano na mercadoria, os consumidores não terão a quem recorrer;
:: Incentiva a exploração do trabalho, inclusive de menores, em relação ao pagamento de salários e dos encargos trabalhistas e fiscais
:: Descumpre as normas previstas na Convenção Coletiva do Comércio.
Imigrantes "quebraram" regras e mudaram a cara da Júlio
A presença de ambulantes tornou-se ainda mais polêmica em Caxias depois da chegada de imigrantes haitianos e senegaleses à cidade. Com poucas opções de trabalho devido à crise econômica, muitos deles acabaram optando pela informalidade para conseguir sobreviver e, quem sabe, arrumar algo melhor.
Porém, ao contrário dos antigos vendedores da Júlio de Castilhos – que mantém uma espécie de acordo tácito com as autoridades e evitam, por exemplo, expor grandes quantidades de produtos, se juntar com outros colegas e obstruir vitrines –, os imigrantes quebraram as regras informais ao se agruparem para vender, e ao ocupar as fachadas das lojas. Isso, de acordo com um ambulante que comercializa DVDs há oito anos na esquina da Júlio com a Visconde de Pelotas, prejudica todo mundo:
– Aqui está tomado de concorrência e não é bom, coloca ainda mais pressão. Por que não legalizam logo o trabalho e restringem nosso espaço para uma quadra específica, por exemplo? Se não tiver alguma ajuda também fica difícil, precisamos trabalhar.
Vendedor de incensos há 17 anos na Júlio de Castilhos, André Ribeiro da Luz, 51 anos, acredita que a presença dos imigrantes gerou um sentimento de intolerância por parte dos lojistas, que passaram a se sentir ameaçados, principalmente pelas mercadorias que rivalizam diretamente com diversos estabelecimentos.
– Eles ficam muito em grupos e quase fecham a rua, interferindo no direito de ir e vir. Se estivessem se movimentando, não formassem grande volume ou não oferecessem tanta pirataria, não teria problema – analisa.
Para a gerente da Multisom da unidade da Júlio de Castilhos, Maria Fagundes , o maior problema atualmente é o aspecto visual da rua.
– Para andar, é preciso desviar dos ambulantes. Está feio isso aqui.
830 mil mercadorias apreendidas
Ao receber representantes do comércio varejista na semana passada, o prefeito Alceu Barbosa Velho Sul enfatizou que o combate à informalidade não depende apenas da prefeitura. Para ele, a Receita Estadual e a Polícia Federal precisam agir na origem. O prefeito reiterou a promessa de ampliar a fiscalização e apresentou um balanço sobre os quatro anos de ação em relação aos ambulantes: mais de 830 mil mercadorias apreendidas.
Conforme a prefeitura, em 2013, foram apreendidos mais de 100 mil itens. Em 2014, foram mais de 150 mil produtos apreendidos. No ano passado, os fiscais da Secretaria do Urbanismo recolheram mais de 300 mil mercadorias. Neste ano, já são mais de 280 mil itens. A Guarda Municipal também montou uma base na Praça Dante Alighieri para dar mais suporte às ações.