Todo verão, enquanto milhares de gaúchos vão à praia descansar e se divertir, a mãe de uma bailarina morta há cinco anos em um acidente de trânsito se dirige ao Litoral para cobrar justiça por sua filha.
A aposentada Maria Regina da Silva, 62 anos, voltou a estender uma faixa à margem da Estrada do Mar, no ponto exato onde ocorreu a tragédia nas primeiras horas de 2012, em Xangri-Lá, para criticar a falta de responsabilização pelo acidente no qual também morreu o taxista Ivo Ferrazo, aos 63 anos.
No começo da manhã de 1º de janeiro de 2012, a bailarina Alaíde da Silva Linck, então com 28 anos, e a amiga Carine Flores voltavam de uma festa quando foram atingidas pelo Vectra dirigido pela modelo Tatieli da Silva Costa, com 27 anos à época. A seu lado estava o então suplente de vereador de Tramandaí Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior, também com 27 anos. Tatieli, que segundo o inquérito apresentava sinais de embriaguez, não tinha habilitação. Mesmo assim, o carro teria sido confiado a ela por Paulo. Ferrazo estava em um terceiro veículo que também acabou abalroado.
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O processo segue em fase de instrução – ou seja, nem sequer foram ouvidas todas as testemunhas arroladas para permitir as manifestações finais da acusação e da defesa e, posteriormente, o julgamento do caso. Tatieli e Paulo Corrêa chegaram a ser detidos, mas foram soltos em menos de 24 horas e seguem em liberdade.
Entre as razões apontadas para a lentidão do processo está a dificuldade em ouvir todas as testemunhas, já que muitas não moram no Litoral e precisam ser localizadas e convocadas a depor. Outro motivo seria o acúmulo de ações na comarca de Capão da Canoa, o que atrasaria os trâmites burocráticos. Como a Justiça se encontra em recesso, não foi possível entrar em contato com o juiz do caso. No final de 2014, a comarca havia alegado que a ação seguia os prazos “dentro da normalidade”.
– Não tenho mais prazer com nada. Meu único motivo de viver é criar o meu neto (Miguel, filho de Alaíde, hoje com 12 anos e também órfão de pai). Enquanto isso, os responsáveis por esse acidente comemoram o final de ano com a família deles. E nós? Tem de ser feita justiça – desabafa Maria Regina.
Para não deixar o episódio cair no esquecimento enquanto giram as engrenagens judiciais, a mãe de Alaíde pendura todos os anos uma faixa pedindo punição no local da tragédia. Este ano, o texto diz “Cinco anos se passaram, e a Justiça, nada”.
Paulo voltou a concorrer a vereador nas últimas eleições sob o apelido de Paulinho do Triângulo (em referência ao nome do restaurante da família), mas não se elegeu. Tatieli se casou e vive hoje em São Paulo.
– Nunca entraram em contato nem para oferecer alguma ajuda. Mas ainda acredito que a justiça será feita – diz Maria Regina, que tatuou no braço os nomes de suas duas filhas e dos dois netos.
Órfão leva foto da mãe na agenda do colégio
Uma das vítimas do acidente ocorrido na Estrada do Mar há cinco anos não estava em nenhum dos carros envolvidos no desastre. Miguel Arcanjo Linck, 12 anos, filho de Alaíde, guarda consigo a imagem da mãe de todas as formas que pode para enfrentar a saudade.
Todos os anos, no começo do ano letivo, coloca uma foto sua e outra de Alaíde na primeira página da agenda escolar. No celular, montou um vídeo com fotos dos dois juntos e a frase “quando eu ficava triste, você ficava comigo”. Faz questão de usar o mesmo chip de celular que a mãe usava.
– Algumas vezes, logo depois do acidente, ainda ligavam para ela sem saber o que tinha acontecido. Eu não conseguia falar – recorda.
Nos primeiros anos após o acidente, revela que não podia ouvir a palavra “mãe” sem se abalar. Por isso, evitava eventos familiares no colégio. Hoje, surpreende os parentes pela maturidade precoce. Quando a família recebeu ZH em uma casa na praia de Magistério, em um dia de chuva, Miguel demonstrava preocupação com a possibilidade de a equipe de reportagem se molhar ao ir embora.
– Ele teve de amadurecer à força – conta a avó.
Cerca de um ano após a morte da mãe, Miguel perdeu o pai, com que não chegou a conviver.
O que diz Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior
Procurado por ZH, Paulo Corrêa informou que preferia não se manifestar sobre o caso. Limitou-se a dizer:
– Espero que as coisas se resolvam da maneira mais justa.
O que diz Tatieli da Silva Costa
Um dos advogado de Tatieli, Ivan Florentino, sustenta que não foi realizado exame de alcoolemia para comprovar que sua cliente estava embriagada. Também afirma que não é possível determinar que a modelo tenha sido a responsável pelo acidente.