Um relatório de 50 páginas elaborado pela Controladoria-geral do Município de Porto Alegre aponta uma série de irregularidades no Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). A Rádio Gaúcha teve acesso ao documento com exclusividade. O relatório é de 15 de abril de 2016 e foi elaborado por seis servidores da prefeitura, entre eles, o controlador-geral Gilberto Bujak.
No contrato com a terceirizada Cooperativa de Trabalho, Produção e Comercialização dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa), por exemplo, os auditores constataram que houve renovação por reiteradas vezes, "inclusive além do prazo máximo previsto". O contrato emergencial foi firmado em 1º de março de 2011 e até hoje vem sendo renovado. Também foi registrado o aumento de pagamentos pelos chamados "Outros Serviços de Limpeza Urbana".
"Destacamos, sobretudo, uma alteração quantitativa e qualitativa na composição dos serviços, com aumento na quantidade dos 'Outros Serviços de Limpeza Urbana', também conhecido como serviços diversos, o qual é contratado por hora/homem, e diminuição na quantidade dos serviços por km. No mês comparado, setembro de 2015, para os serviços diversos, mais de 61 mil horas foram pagas além do previsto/contratado, passando o grau de importância relativa, em termos percentuais da composição do preço, de 27,9% para 56%", diz o documento.
Os auditores afirmam que em função dos problemas constados, há necessidade urgente de realização de licitação. "É premente a necessidade de se promover a nova licitação, inclusive readequando a futura contratação às quantidades em que os serviços vêm sendo executados".
Fiscalização do contrato
Os auditores constaram que não há fiscalização adequada da execução do contrato firmado com a terceirizada Cootravipa. Como exemplo, visitaram duas seções do DMLU - Leste e Norte - nos dias 5 e 6 de abril.
"Constatamos que há dificuldades em fiscalizar efetivamente os contratos e a efetividade dos trabalhadores da cooperativa. Outro fato observado na Capatazia Leste é o de que não devem estar sendo seguidos à risca os quantitativos de trabalhadores alocados aos serviços informados nas planilhas e/ou sistemas".
Serviços de limpeza urbana
Foi vistoriado um local na Vila Safira e estavam menos trabalhadores do que o informado. "Em inspeção no local onde havia sido informado que deveria haver 12 (doze) trabalhadores observamos 7 (sete), 5 (cinco) a menos do que havia sido informado".
Unidade de reciclagem
Numa vistoria realizada na Associação de Catadores e Recicladores da Vila Chocolatão (ACRVC), que possui convênio para receber materiais recicláveis pelo DMLU, foi comprovado que não está ocorrendo a triagem correta.
"Conforme dispõem a folha 7 do processo 005.001559.15.0, o Plano de Trabalho estabelece a seguinte meta: '[...] b) Triar 100% (cem por cento) dos resíduos entregues pelo DMLU, provenientes da Coleta Seletiva'. Conforme Foto 6, observamos que são destinados ao aterro sanitário materiais que claramente poderiam ser reciclados, todavia não recebem tal tratamento".
Saúde do trabalhador
Em vistoria realizada no bairro Jardim Leopoldina, foi constatado pelos auditores que os trabalhadores da Cootravipa não tinham sido vacinados, conforme exige o contrato.
"Promover a vacinação de todos funcionários contra gripe, hepatite B e tétano, devido à exposição, durante o processo de trabalho, a intempéries e agentes biológicos potencialmente infectantes, e não possuíam banheiro próximo ao local de varrição".
Outra irregularidade constatada é a falta de água potável para os garis. Alguns ouvidos pelos auditores disseram que levavam de casa, também em desacordo com o contrato.
"Fornecer água fresca e potável, armazenada em recipientes adequados, para todos os trabalhadores, conforme especificação da Norma Regulamentadora n.º 24 da portaria n.º 3.214 do Ministério do Trabalho".
Os auditores também comprovaram que não havia banheiros móveis para os garis, outro item que deveria ser seguido pela Cootravipa e que está no contrato.
"Disponibilizar banheiros equipados com vasos sanitários e lavatórios para os trabalhadores das equipes que prestam serviços externos, conforme especificação da Norma regulamentadora n.º 24 da portaria n.º 3.214 do Ministério do Trabalho".
Transparência e Controle Social
Os auditores recomendam que a programação de limpeza das ruas de Porto Alegre seja mais transparente.
"Considerando a relevância dos valores envolvidos, a complexidade e a dificuldade observada na fiscalização efetiva dos trabalhadores da cooperativa, conforme apurado, recomendamos a divulgação sistemática no Portal de Transparência do Município ou no próprio sítio do Departamento do cronograma mensal com as vias públicas que serão beneficiadas com os referidos serviços, e, quando for o caso, o quantitativo de trabalhadores por hora/homem envolvidos em cada local. A implementação dessa recomendação visa mitigar o risco observado de pagamentos indevidos por serviços não realizados, aumentando a fiscalização tanto no aspecto quantitativo quanto qualitativo dos trabalhos contratados".
Inventário
Os auditores afirmam que aumentou o descontrole na entrada e saída de materiais do DMLU.
"Conferimos 21 dos 735 itens estocados, comparando-os com os registros nos Relatórios (RADM 635) dos depósitos I, II e III, e localizamos diferenças em 03 itens, 14,3% da amostragem. Em relação à última auditoria realizada no ano passado, em que o percentual de diferenças foi de 3,7% da amostragem, observa-se que o controle de entrada e saída do almoxarifado piorou".
Obras, Reformas e Manutenção - Estação de Transbordo da Lomba do Pinheiro
Foi constatado que os funcionários ainda seguem correndo riscos de acidentes.
"Na entrada da estação na sala de Pesagem da Balança, verificamos que os funcionários do DMLU, continuam submetidos à riscos de acidentes, apesar dos apontamentos do Relatório-Diagnóstico de Auditoria do ano de 2015, também não encontramos sanadas no local, nenhuma das desconformidades elencadas neste. Verificamos que os funcionários do DMLU estão expostos a riscos de acidentes, risco de choques elétricos, riscos ergonômicos".
No refeitório da Estação de Transbordo, por exemplo, uma das paredes está com o revestimento de azulejo comprometido, além de outros problemas.
"Verificamos que o dispositivo utilizado para aquecer a comida dos operários, possui sua ligação elétrica e fiação em desacordo com as Normas Técnicas da ABNT. Na instalação sanitária verificamos que a área de vestiário é exígua e não atende o disposto no item 24.1.2, e a área de 1,50 m2 para cada trabalhador, do item 24.2.3 da NR 24, bem como os armários não atendem ao disposto na 24.2.1 da NR 24".
Outro problema grave, que oferece sérios riscos aos funcionários do DMLU, é existência de insumos hospitalares usados pelo chão.
"Os funcionários da cooperativa não recebem treinamento para a utilização da prensa hidráulica. Sugerimos que o DMLU regularize esta situação, pois tais insumos dispostos de maneira incorreta podem ocasionar riscos de acidentes biológicos a quem trabalha no local".
Recomendações
Os auditores reforçam a necessidade de nova licitação. Também de maior fiscalização da execução do contrato vigente.
O que diz o DMLU
Sobre o contrato que vem sendo renovado com a Cootravipa, o diretor-geral do DMLU, André Carús, sustenta que está tudo dentro da lei, mas que pediu abertura de licitação.
"Com relação ao contrato especificamente com a Cootravipa, não há nenhuma irregularidade nas renovações. E inclusive a partir do momento que a Secretaria Municipal da Fazenda estabeleceu uma central específica de licitações, tirando dos órgãos o setor de licitações, nós encaminhamos já no início do ano a abertura de licitação para o serviço de limpeza urbana que hoje é realizado pela Cootravipa".
Sobre a falta de fiscalização dos contratos, Carús justifica.
"O caso que tu coloca da visita da auditoria que lá tinha garis em número menor daquilo que é determinado para uma seção ou uma capatazia, esse valor quando detectado pela nossa fiscalização, ele não é pago. Então nós temos o setor de contratos, os fiscais dos contratos e no que diz respeito às coletas, o Centro de Controle Operacional que faz o controle do cumprimento efetivo dos roteiros em cada bairro, em cada região da cidade".
Mais explicações
Logo após a reportagem ser publicada, o DMLU enviou um e-mail com mais explicações à Rádio Gaúcha:
1. A respeito da licitação questionada na reportagem, disponibilizamos os documentos que mostram nossa ação responsável e absolutamente dentro da lei. Os documentos mostram que a renovação do contrato de limpeza com a Cootravipa atende rigorosamente à Lei Federal 8.666/93.
2. O contrato n.º 01/2011 teve seu vencimento, ao final do quinto ano, em 29 de fevereiro de 2015. O processo processo administrativo visando à licitação foi iniciado em 19 de junho de 2015, já com o projeto básico e a planilha de custos elaborados. Portanto, tempestivamente, oito meses antes do vencimento do contrato. Portanto, o contrato NÃO É EMERGENCIAL, um erro grave da reportagem.
3. "Sobre alteração quantitativa e qualitativa na composição dos serviços", destacamos que o projeto básico e a planilha de composição de custos para a nova contratação dos serviços tramitaram desde julho de 2015 no processo nº 005.001643.15.0. Na ocasião, devido a restrições orçamentárias, o serviço em questão passou a englobar, também, a limpeza de sanitários públicos, que seria objeto de outra licitação que previa, ainda, a manutenção destas instalações. Ou seja, a medida adotada gerou economia para o poder público.
4. Nossa gestão no DMLU tem sido marcada pela transparência pelo zelo aos recursos públicos. A valorização dos servidores de carreira é fruto disso. E essa parceria com eles fez com que o DMLU passasse a ser mais rigoroso em suas fiscalizações. Nossa gestão adotou inúmeras medidas para aumentar os mecanismos de controle interno.
5. A série de reportagens do veículo parece querer - a qualquer custo - apontar uma série de irregularidades supostamente cometidas por nossa gestão. Repudiamos isso! Assim como repudiamos a tentativa de criminalização da política. A imprensa tem papel fundamental no aprofundamento da democracia. Não pode, porém, omitir perguntas. E isso ocorreu nesta última reportagem. Muitos assuntos divulgados nesta reportagem não nos foram questionados. O motivo disso desconhecemos. Agrava essa conduta do veículo o fato de termos TODAS as respostas para cada apontamento feito. Cercear o direito à informação não condiz com o que o veículo prega.
6. Seguimos trabalhando com total transparência. É o espírito público que nos motiva sempre. E sempre será assim. Todos os documentos do DMLU estão à disposição da população de Porto Alegre para poderem fiscalizar nosso trabalho.
7. (...) Destacamos, ainda, que esta auditoria realizada pela Controladoria é regular e anual e ocorre frente a todos os órgãos municipais. Essa prática possibilita, em caráter preventivo, que os órgãos da administração pública comprovem quais medidas vem adotando e promovam melhorias quando necessário.
8. É com esse espírito público que sempre atuamos e sempre atuaremos. Por isso dividimos com vocês as medidas de controle interno promovidas pelo DMLU para qualificar a fiscalização sobre os serviços contratados:
• Criação do Centro de Controle Operacional em novembro de 2014.
• Criação da Coordenação de Gestão de Contratos e Convênios (CGCC/SAF).
• Nomeação de servidores técnicos visando qualificar a fiscalização e a gestão dos contratos, como engenheiros e técnicos administrativos.
• Designação formal de fiscais para todos os contratos e convênios do DMLU a partir de maio de 2016. A limpeza urbana, em virtude da complexidade, teve designada uma comissão formada por 8 pessoas, tanto da área técnica quanto operacional. Esta medida, inclusive, veio antes da Ordem de Serviço da Prefeitura que ajusta esta questão e ainda não entrou em vigor.
• Criação de um grupo de trabalho composto por administradores e servidores de diversas áreas do DMLU no sentido de dar apoio e orientar os fiscais quanto às responsabilidades e papéis de cada um.
• Remessa ao Comitê Gestor de processo solicitando a nomeação de mais engenheiros, administradores e assistentes administrativos, no sentido de qualificar a fiscalização.
• Remessa à SMA de processo administrativo solicitando a abertura de concurso para apontador, tendo em vista a defasagem destes servidores ao longo dos últimos anos.
O que diz a Cootravipa
Sobre o aumento dos chamados "outros serviços" cobrados, o presidente da Cootravipa, Jorge Luís Bitencourt, justifica.
"Tu vê que existem demandas em Porto Alegre que são fantásticas. Tem um jogo na Arena, tu tem que entrar depois do jogo e vai terminar lá pelas sete da manhã. Uma equipe especial, de 20 homens, para deixar no outro dia tudo perfeito, né. Sendo assim no Beira-Rio...Qualquer evento que tiver, eles nos pedem e nós colocamos essas pessoas para realizar esse evento. Considero esse aumento normal".
Em relação ao número menor de trabalhadores do que o informado, considera um fato isolado.
"Olha, eu posso te dizer o seguinte. Sempre tem dois ou três a mais em cada equipe. Mas há dias, não posso dizer o dia, mas existe dia que eu tenho dez faltas, cinco faltas, seis faltas. Ninguém consegue doutrinar esse tipo de coisa. Se alguém não está, não é cobrado".
Sobre a falta de banheiros em alguns locais para os garis, garante que a estrutura está disponível.
"Nós somos a primeira empresa, cooperativa, a implementar esses banheiros dentro dos ônibus. O banheiro fica próximo, cerca de 50 metros. Ele é limpo de dois em dois dias".