O Ministério Público Estadual ingressou com Ação Civil Pública para que o Governo do Estado libere todas as informações referentes às contas públicas. A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público acusa a Secretaria da Fazenda de sonegar dados e documentos solicitados pelo MP e Tribunal de Contas do Estado. O promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho pede a lista de todas as empresas que possuem incentivos fiscais e os valores correspondentes, além dos motivos para a concessão.
"...a Secretaria da Fazenda vem, sistematicamente e ao longo dos anos, sonegando a entrega de determinados dados de que tem a posse em virtude de sua condição de gestora, sob a justificativa de que dita informação encontra-se acobertada pela obrigação de manutenção de sigilo fiscal, regra positivada no artigo 198 do Código Tributário Nacional".
O promotor alega no processo que a publicidade dos dados precisa ser preservada, já que trata-se de recursos públicos.
"...em se tratando de recursos públicos (tanto os tributos em si quanto os incentivos e isenções são recursos públicos), a regra primaz a ser aplicada é a da publicidade, prevista no artigo 37 da Constituição Federal".
Na ação que possui 61 páginas, sem contar os anexos, o Ministério Público junta trecho de relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado apontando os entraves para saber os reais incentivos concedidos a empresas pelo Estado, sob o argumento do sigilo fiscal.
"E os entraves opostos pela administração tributária do Estado não foram sentidos unicamente neste trabalho desenvolvido pelo TCE, senão, em todos aqueles que pretenderam examinar a Gestão da Receita Pública Estadual, mais objetivamente, nos procedimentos adotados no âmbito das renúncias fiscais e na constituição e extinção dos créditos tributários".
A Promotoria sustenta ainda que as informações não podem ser mantidas em sigilo e que precisam ser "escrutinadas" pelo Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado.
"A indevida invocação do sigilo, em verdade, faz com que haja atos administrativos verdadeiramente secretos sendo praticados no Estado do Rio Grande do Sul! Em pleno século 21 e na vigência de um Estado Democrático de Direito, onde a transparência deveria ser radical em se tratando de recursos públicos".
E o promotor acrescenta.
"Ora, como saber se a Secretaria da Fazenda, ao conceder incentivos fiscais ou isenções tributárias, observou os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, se esses atos são inexpugnáveis?! Como saber se as contrapartidas exigidas pela legislação dos beneficiários estão sendo cumpridas e/ou fiscalizadas?!"
O Ministério Público quer esclarecer quais os critérios para a concessão dos incentivos fiscais. Para saber, por exemplo, se uma empresa que não poderia receber, recebe. Ou se uma empresa que poderia receber, não recebe e por qual razão. Conforme o promotor, a própria Procuradoria Geral do Estado já emitiu pareceres técnicos indicando que não cabe sigilo para o MP e TCE.
"Note-se que a Secretaria da Fazenda sobrepõe seu 'entendimento jurídico' à orientação técnica da própria PGE que, se não é a mais adequada, ainda assim deveria vincular os órgãos do Poder Executivo".
O Ministério Público lembra da grave crise financeira do Estado e cita inclusive a "invasão à autonomia dos poderes".
"Com efeito, a propalada grave crise financeira vivida pelo Estado do Rio Grande do Sul vem fazendo com que medidas drásticas sejam em nome dela adotadas, inclusive com supressão de direitos e atrasos nos pagamentos das obrigações do Estado. Até a invasão à autonomia e à independência de outros Poderes e instituições está em marcha".
Também é indicado o valor que o Estado deixaria de arrecadar, mas com observações de que pode ser maior.
"Pelos dados que são disponibilizados pela Secretaria da Fazenda, que não são aferíveis quanto sua veracidade - dada a negativa em permitir o acesso aos órgãos de controle - em demonstrativo do mês de setembro de 2016 (fls. 720 a 736 do IC), percebe-se que o Estado do Rio Grande do Sul, a despeito de toda a crise em suas finanças, deixa de arrecadar quase R$ 9.000.000.000,00 (nove bilhões de reais), ou seja, 23% dos impostos potenciais".
O pedido de antecipação de tutela, de acordo com o promotor, é necessário também em função do pacote de medidas para conter a crise que tem uma relação direta com o que o Estado arrecada ou deixa de arrecadar. Por fim, o MP pede, em caso de descumprimento, multa diária de R$ 10 mil ao secretário da Fazenda.
Ministério Público de Contas
A procuradora substituta do Ministério Público de Contas, Daniela Wendt Toniazzo, lembra que o MPC vem tentando há anos buscar essas informações, mas nunca consegue.
"Desde 2009 o Ministério Público de Contas tenta abrir essa 'caixa-preta' das receitas estaduais através de representações, recomendações, pareceres, mas sem sucesso. O sigilo fiscal, evidentemente, não se aplica aos órgãos de controle".
Daniela lembra da importância de analisar esses dados.
"Num cenário de crise que estamos vivendo, a fiscalização dessas receitas é imprescindível para que se saiba a extensão das isenções, de todas as arrecadações, dos benefícios que estão sendo dados".
Associação do Ministério Público
O presidente da Associação do Ministério Público, Sérgio Harris, lembra que esses dados são ainda mais fundamentais no momento atual, já que o Estado vive uma grave crise financeira.
"Essa medida vem em boa hora e é fundamental para pensar o Rio Grande do Sul. O Governo do Estado RS mandou pacote com medidas duras para a Assembleia. Então nada mais justo e correto que tenhamos antes da votação pelos deputados a exata noção sobre os incentivos concedidos".
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul
O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Gilberto Schefer, também reforça a importância da transparência no trato dos recursos públicos
"A sociedade precisa saber a quem se destina, quanto se destinou e especialmente quais são as contrapartidas e quais são os benefícios para a própria sociedade".
O que diz a Secretaria da Fazenda
O subsecretário da Receita Estadual, Mário Wunderlich, afirma que o Governo não libera as informações sob risco de responsabilização do gestor.
"O que temos é uma questão de sigilo fiscal que abrange as operações das empesas e que nos impede sob pena de responsabilização fundacional caso se entregue essas informações cobertas pelo sigilo".
Wunderlich garante que as demais informações sobre as contas públicas são divulgadas e nega qualquer ato secreto ou caixa preta, como citados pelo Ministério Público. Adianta que se a Justiça determinar a liberação, os dados serão fornecidos.
"Tem algumas informações dos negócios das empresas que entendemos não possam ser divulgadas. A decisão em sentido contrário será prontamente cumprida e os dados colocados à disposição".