Ao acordar neste sábado, em seu último dia em Havana, o jornalista e escritor Airton Ortiz avistou as bandeiras de Cuba a meio-mastro. Desconfiou de que algo estava errado. A tão musical capital cubana havia amanhecido mais silenciosa. Na recepção do hotel, ouviu a confirmação da suspeita: Fidel Castro, o comandante da ilha por 47 anos, havia morrido na noite de sexta-feira, aos 90 anos.
Ex-patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, Ortiz resolveu circular pelas ruas de Havana, cidade em que morou por seis meses, em 2009, para escrever um livro sobre a capital cubana. A caminho do aeroporto, ele contou à ZH que os cubanos parecem estar se sentindo órfãos e que há um clima de comoção geral no país.
– As pessoas parecem não acreditar, embora já esperassem. Uma coisa que chama muito a atenção é que Havana é uma cidade musical. Tem música em tudo quanto que é bar, restaurante, no Malecón, nas ruas. E hoje não se vê nada disso. Por essa característica, a gente tem uma ideia de como as pessoas estão comovidas. Elas não conseguem nem falar. O cubano é alegre, expansivo, comunicativo, mas eles estão quietos. A gente puxa conversa e eles não falam, mal conseguem levantar a voz para falar. Então, são dias de luto.
Desde que publicou o livro Expedições Urbanas: Havana, em 2010, Ortiz costuma passar as férias em Cuba. Neste ano, levou um grupo de amigos e leitores visitar lugares descritos no seu livro. Segundo o escritor, chama a atenção o fato de que os cubanos não estão falando em "morte de Fidel", mas, sim, em "desaparecimento físico" do El comandante.
– Entendo que a morte de Fidel encerra o século XX. O século XX terminou ontem. Na segunda metade do século passado, ele foi a pessoa mais icônica, a que mais influenciou o mundo. Esteve no centro de toda a geopolítica internacional. Não tanto pela questão ideológica, mas pela posição geográfica de Cuba entre a União Soviética e os EUA. Encerra uma era dos líderes idealistas.
Embora há quem comemore a morte do ex-presidente, no país, o sentimento é o de orfandade, diz Ortiz.
– Fidel era um líder incontestável aqui em Cuba. Pode ter alguma divergência pontual. Ele estava com 90 anos. São poucas as pessoas que conheceram Cuba antes da revolução. São 60 anos de idolatria, de divulgação, de promoção do líder, o que eles exploram muito bem. Isso faz com que as pessoas realmente o idolatrem. Ultimamente, ele estava afastado das decisões do dia a dia da política. Era visto como aquele pai que fica em casa cuidando dos netos. O pessoal se sente muito mais órfão do ponto de vista emocional do que político.