Em seu primeiro evento público em Porto Alegre desde seu afastamento, a ex-presidente Dilma Rousseff afirmou, nesta quinta-feira, que os últimos episódios na política mundial significam o avanço da implementação do neoliberalismo em diversos países.
Assistida por pouco mais de cem pessoas, ela confirmou de última hora a participação no 40º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas, no auditório da Federação Gaúcha de Futebol. A ex-presidente palestrou por cerca de uma hora e falou sobre o cenário político nacional e internacional.
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Citando a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit no Reino Unido e o impeachment no Brasil, a ex-presidente apontou que esses fenômenos significam "o predomínio das relações financeiras", a concentração da riqueza e a desigualdade social.
– Nós assistimos nas últimas semanas e nos últimos meses, a eleição do Trump nos Estados Unidos e também a saída da Inglaterra da União Europeia. Ao mesmo tempo, vivi o golpe parlamentar aqui no Brasil. Acredito que todos esses fatos fazem parte de um processo comum. Uma das características dos últimos tempos que nós vivemos foi o avanço desse processo não só no Brasil, não só na América Latina, mas no mundo. E ele se caracteriza por uma intensificação das relações financeiras que se tornam predominantes em relação a todas as demais relações produtivas. Há uma intensificação muito grande da desigualdade e da concentração de riqueza. Esses dois fenômenos mostram também que há uma profunda contradição com os sistemas democráticos originados por essa expansão do neoliberalismo – disse.
Afirmou ainda que o avanço do neoliberalismo por meio desses grupos tem como objetivo a desregulamentação dos serviços públicos para a expansão do mercado financeiro:
– A ideia é desregulamentar. Mesmo que depois da crise de 2008 o G20 tenha tentado regulamentar o sistema financeiro, essa regulamentação de fato não é efetiva. Não é só a desregulamentação do sistema financeiro, é a desregulamentação dos serviços públicos. Uma das características dessas desregulamentação é o fato de que, a partir daí, o pagamento de subsídios é considerado também distorcido, principalmente para os mais pobres.
Sobre a PEC do teto dos gastos públicos, a petista afirmou que a proposta pertence a um ajuste liberal e que só atinge as despesas correntes líquidas do país, relacionadas à saúde, educação, assistência social e ao salário mínimo, e não abrange as taxas de juros, que, segundo ela, devem ser rediscutidas.
A reforma da Previdência do atual governo, que será enviada ao Congresso após a aprovação da PEC do teto no Senado, foi criticada por Dilma e também chamada de ajuste neoliberal. Segundo ela, seria necessário um projeto que não impactasse o subsídio dos aposentados, que hoje tem o valor ajustado conforme o salário mínimo. Para ela, o texto que será encaminhado para discussão prevê uma reforma abrupta.
– Não vou aqui fazer demagogia e dizer que o Brasil não precisa fazer uma reforma da Previdência. Essa é uma questão que a gente tinha espaço para implementar, não precisava fazer uma reforma como estão fazendo, principalmente em um segmento, que, pra mim, é o mais grave. Impedir que haja a vinculação dos que ganham um salário mínimo de aposentadoria ao salário mínimo será, do ponto de vista social, criminoso – afirmou. – A reforma da Previdência poderia ter um tempo de transição de 20, 25 anos, mas será feita de supetão.
Não citando o nome de Michel Temer, Dilma abordou a investigação em curso no TSE sobre as doações de campanha a sua chapa em 2014 e afirmou que ficou provado que o dinheiro ilegal não era para ela:
– Não tinha conta no Exterior, não tinha acusação de recebimento de propina. Aliás, a última acusação de recebimento de propina ficou clara que não era para mim, era para o senhor vice-presidente.
Segundo ela, a consolidação de seu afastamento se deu não só pela Lava-Jato e os escândalos de corrupção em seu governo, mas pelo agravamento da crise econômica:
– A raiz do golpe não é só tentar se livrar da Lava-Jato, como disse o senador Romero Jucá, que para estancar a sangria era preciso tirar o governo. Acredito que a raiz do golpe é, fundamentalmente, um momento delicado da vida econômica e social do país, que é a crise.
Dilma disse que a articulação para o seu impeachment proporcionou a entrada do neoliberalismo no país, "continuando" as medidas que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso implantou.
– Não acredito que o processo tenha sido pura e simplesmente pela corrupção. Foi muito mais profundo e ele se dá basicamente para completar aquilo que não foi completado dentro do período Fernando Henrique Cardoso – disse.
O ex-governador Olívio Dutra também palestrou no evento e, após a apresentação dele, Dilma saiu sem falar com a imprensa. Em frente à porta que dava para a garagem do prédio da Federação, perguntada pelos jornalistas sobre a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, nesta quarta-feira, falou:
– Com o pé andando, eu não comento.