Um tubarão anequim de dois metros de comprimento, quase cem quilos, pelo menos 112 dentes e irritado na sua condição de presa debate-se junto ao casco do atuneiro Maria Letícia.
No convés, o pescador Flávio Alves das Neves, o Melancia, cabelos pintados de acaju e 60 quilos distribuídos em 1m63cm, agarra-se na corda de um espinhel, puxando com as mãos o tubarão fisgado em um dos 700 anzóis lançados ao mar. A peleia na água, naquele longínquo novembro de 2003, era uma parte da luta com a fera.
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Melancia e outros três pescadores utilizam arpões para içar o tubarão para dentro do barco, dando início à parte mais perigosa da caçada. Mesmo abatido pelas lesões provocadas pelo arpão, o tubarão tem força para decepar um membro, caso acerte a mordida. Ele se debate. Em volta, os pescadores observam.
Melancia, então, sobe no bicho, ainda vivo, como se estivesse montando um potro xucro. Coloca a mão esquerda próximo aos olhos da fera e pressiona para baixo, fechando a mandíbula. Com a mão direita, usa uma faca de 30 centímetros para cortar-lhe a cabeça, um pouco abaixo dos olhos.
É necessário um golpe de misericórdia, e Raimundo, outro pescador, insere na espinha um arame estreito, de quase um metro, e o imobiliza. A operação está concluída.
Até o final daquele dia, outros 20 tubarões de diferentes espécies (martelo, mangona, azulão e rabudo, entre outras) seriam pescados.
– Tendo cuidado, não tem perigo – alertou Melancia.
O próprio Melancia quase fora vítima, um ano antes. Quando se preparava para abater o animal, uma onda o desequilibrou. O tubarão se desvencilhou e o mordeu de raspão, na altura da virilha. Rasgou as três calças trajadas pelo pescador.
– Tive muita sorte. Ele quase me arrancou as partes – contou Melancia.
A cena descrita acima foi flagrada por Zero Hora, há 13 anos. Durante 20 dias, eu o fotógrafo Emílio Pedroso viajamos a bordo do atuneiro Maria Letícia, distante quase 500 quilômetros da costa, na fronteira com o Uruguai.
De tudo que presenciei, o que mais me surpreendeu foi a forma arriscada com que os tubarões, também pescados nos atuneiros, eram abatidos. Era muito perigosa aquela operação. O pescador Linaldo Gaudino de Brito, atingido por um tubarão na última terça-feira, durante uma pescaria em alto mar, teve menos sorte que Melancia.