Porto Alegre já foi berço de indústrias, referência no país em qualidade de vida, foco de interesse global em razão do Orçamento Participativo. Hoje, é um município em busca de uma nova identidade.
As antigas vocações se desvirtuaram nos últimos anos: as indústrias rarearam, as inovações orçamentárias deixaram de ser novidade, o fórum mudou de ares e de formato e a qualidade de vida é estremecida todos os dias pela violência. Restou uma pergunta a ser respondida por cidadãos, empreendedores e candidatos a prefeito: que cidade querem para o futuro?
– Hoje, como um amigo comentou comigo, Porto Alegre é a cidade do quase. É quase bonita, mas descuidada, quase segura, quase resolvida, com um monte de possibilidades que não chega a concretizar – avalia o publicitário Alfredo Fedrizzi, que recentemente provocou debate ao compilar, em texto publicado em Zero Hora, as principais razões pelas quais moradores abandonaram a capital gaúcha.
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A importância de firmar uma nova marca no imaginário nacional e internacional vai além do afago à autoestima local. A descoberta de uma vocação também é vital para alavancar uma economia que perde terreno em relação às de outras cidades do Estado e do país. Em 1970, o PIB porto-alegrense respondia por 23% da riqueza gaúcha. Essa fatia encolheu para 17% em 2013, conforme levantamento da Fundação de Economia e Estatística (FEE), enquanto o Interior avançou impulsionado pelo agronegócio.
As velhas marcas se esvaneceram por diferentes razões. O extinto parque fabril, concentrado na região do chamado Quarto Distrito, desmantelou-se nos últimos 40 anos em razão do fechamento ou da transferência das indústrias para sedes mais baratas e acessíveis – o que resultou na decadência urbana da região e motiva projetos de recuperação em andamento. A participação popular na elaboração do orçamento não foi extinta, mas perdeu o ineditismo e a vitalidade de quando começou a reunir milhares de pessoas em assembleias pela cidade, em 1989.
– As últimas administrações aumentaram mecanismos de transparência e controle social, mas não a participação das pessoas. Também optaram por um modelo de gestão inspirado na iniciativa privada, simbolizado pela expressão “governança”, que é o modelo hegemônico hoje e não tem nada de novo – avalia o professor do curso de Administração Pública e Social da UFRGS Aragon Érico Dasso Júnior.
Apostar nos pontos fortes
O Fórum Social Mundial, a exemplo do Orçamento Participativo, promoveu o nome da cidade ao redor do mundo ao receber milhares de visitantes e jornalistas a partir de 2001. Três anos depois, mudou de formato e se tornou itinerante. Para o diretor-executivo da Agenda 2020, Ronald Krummenauer, as poucas edições do evento não foram suficientes para dar um perfil novo ou sustentável a Porto Alegre.
– Não houve qualquer link entre a discussão social e o desenvolvimento da cidade – opina Krummenauer.
A qualidade de vida, outra bandeira porto-alegrense, é sufocada pelo medo da violência que deixou 584 vítimas de homicídio doloso em 2015 (em 2010, foram 366, número que cresceu ano a ano desde então). Esse cenário aumenta a urgência com que o município precisa se reinventar.
Muitas localidades ao redor do mundo já conseguiram cumprir esse desafio – várias destas cidades afetadas por problemas semelhantes aos de Porto Alegre.
Uma das lições que ficam é que cada região precisa descobrir seus pontos fortes e apostar neles, sejam projetos de revitalização urbana, turismo ou aproveitamento das chamadas “instituições-âncora” como hospitais ou universidades capazes de fomentar projetos de alta tecnologia.
A boa notícia é que Porto Alegre conta com perspectivas favoráveis nessas áreas. As iniciativas, porém, esbarram em deficiências como falta de planejamento, coordenação e continuidade. Isso ajuda a explicar por que projetos como o da revitalização do Cais do Porto, capaz de revigorar o centro da Capital como um todo, seguem se arrastando por mais de duas décadas
Onde se pode investir
As possibilidades mais promissoras para Porto Alegre, conforme profissionais e gestores públicos de diferentes áreas ouvidos por ZH, incluem áreas como tecnologia, saúde, economia criativa e turismo.
Em relação à tecnologia, a presença de universidades como UFRGS, PUCRS e Unisinos (que está construindo um campus no bairro Três Figueiras) pode estimular e atrair empreendimentos nesta área. Essa tem sido a aposta de antigos polos industriais para se revigorarem, a exemplo de Turim, na Itália (veja exemplos abaixo).
Como a Capital já é reconhecida como polo hospitalar nacional, poderia virar referência em pesquisa e tecnologia aplicadas à saúde. Hoje, a prefeitura oferece redução do ISSQN de 5% para 2% para empreendimentos de pesquisa e desenvolvimento nesse setor. O envelhecimento da população brasileira deverá ampliar a demanda por serviços desse tipo nas próximas décadas.
Já a economia criativa, como se chamam os negócios baseados em conhecimento ou criatividade para produzir bens ligados a setores como moda, design, cultura e inovação, estão entre os que mais crescem no mundo. Relatório da ONU aponta que o comércio mundial de bens e serviços criativos mais do que duplicou entre 2002 e 2011, quando alcançou US$ 624 bilhões. Porto Alegre já tem reconhecimento em áreas como publicidade e cinema, entre outras.
– Temos muita condição de nos tornarmos uma cidade inovadora. Falta reter nossos talentos – analisa Alfredo Fedrizzi.
Em termos turísticos, o Guaíba e suas margens, além das áreas verdes que caracterizam a cidade, são um trunfo. Projetos como a revitalização da orla poderiam dar novo rosto à Capital, que já recebe grande número de turistas de negócios. A cidade é a quarta mais procurada por visitantes com esse perfil no Brasil – com 3,6% do mercado nacional, conforme o Anuário Estatístico de Turismo 2016.
Para o professor da UFRGS e doutor em Planejamento Urbano Eber Marzulo, a Capital tem potencial para virar um polo tecnológico devido à densidade de pós-graduados, e deveria aproveitar melhor a beleza natural do Guaíba.
– O Guaíba é o símbolo das nossas oportunidades desperdiçadas – sustenta Marzulo.
Uma missão do novo prefeito será fazer com que a marca de Porto Alegre não seja essa.
PONTOS FRACOS
Onde é preciso evoluir
Violência
Hoje, a violência na Capital não deve nada a outras metrópoles castigadas por mortes e roubos. O número de homicídios saltou 70% entre 2005 e 2015, quando chegou a 584 vítimas. No mesmo período, a população cresceu 3,6%. A quantidade de roubos saltou de 23,7 mil para 30,9 mil – quase um terço a mais. A violência compromete a qualidade de vida, afasta profissionais e desestimula os empreendimentos.
Mobilidade urbana
Enquanto outras capitais concluíram projetos como os sistemas integrados de ônibus ou o metrô, Porto Alegre não tira do papel iniciativas como o Bus Rapid Transit (BRT) ou implanta o metrô subterrâneo. Novos corredores de ônibus foram construídos, mas as estações de embarque não têm previsão de virar realidade. Congestionamentos e pouco apelo do transporte público são pontos negativos.
Burocracia
Levantamento do Instituto Endeavor de 2015 mostra que um empreendedor leva, em média, 260 dias para começar um negócio no município. Isso empurra Porto Alegre para o penúltimo lugar na lista de 32 cidades pesquisadas (a média nacional é 129 dias). Entre os problemas estão a necessidade de percorrer quase uma dezena de secretarias para obter autorizações, negativas e laudos.
Aeroporto
Um aeroporto com boa capacidade para transportar cargas é fundamental para o desenvolvimento. A pista de 2,28 mil metros do Salgado Filho, porém, é curta demais para voos mais pesados, o que limita a quantidade de carga ou combustível das aeronaves. Como resultado, nos últimos cinco anos, mais de 90% da exportação gaúcha despachada via aérea decolou por outros terminais. O programa de concessões do governo federal poderá alterar esse cenário. O plano de concessão do Salgado Filho prevê investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão e o aumento da pista.
PONTOS FORTES
Em que vale apostar
Universidades
Uma robusta estrutura acadêmica garante especialistas e pesquisas de alto nível à cidade. Entre mais de 40 instituições de Ensino Superior, destacam-se os parques tecnológicos da PUCRS (Tecnopuc) e da UFRGS (Zênite). Está em obras um novo campus focado em inovação e tecnologia, da Unisinos, com 55 mil metros quadrados, na Nilo Peçanha, a um custo de R$ 200 milhões. Essas instituições dão à Capital o terceiro maior índice de PhDs per capita do Brasil, o que garante pessoal especializado para atuar em pesquisas.
Rede hospitalar
Com seis hospitais de porte médio, quatro de alta complexidade de outros quatro especializados, Porto Alegre é referência em áreas como cardiologia, pneumologia, reumatologia, neurociência clínica e experimental, genética clínica, nefrologia, oncologia, gerontologia, epidemiologia, psiquiatria e endocrinologia. Em razão desse desempenho, a cidade se tornou destino para pacientes de fora.
Turismo de negócios
Se não é capaz de atrair muitos turistas em busca exclusivamente de lazer, Porto Alegre é um polo latino-americano de eventos. Conforme a Associação Internacional de Congressos e Convenções, a Capital foi a terceira cidade do país a sediar mais encontros internacionais. Em 2015, foram realizados 14 eventos desse tipo no município. Também foi a terceira mais procurada no país em número de visitantes.
Guaíba e áreas verdes
A margem do Guaíba se estende por 70 quilômetros de norte a sul. Essa área representa um trunfo ambiental e urbanístico, embora ainda não seja devidamente explorada. Projetos como a despoluição do Guaíba e a revitalização do Cais do Porto seguem à espera de conclusão. A área verde é invejável: a cidade tem, no total, oito parques públicos, 616 praças e mais de 1,3 milhão de árvores.
LIÇÕES DE CIDADES QUE SE REINVENTARAM
Toronto, Canadá
Lição: planejamento e flexibilidade
A orla do Lago Ontario, em Toronto, no Canadá, abrigou indústrias que, ao fecharem as portas, deixaram para trás galpões vazios e solo poluído. A cidade de 2,7 milhões de habitantes, em busca de desenvolvimento e projeção, decidiu recuperar e urbanizar uma área de oito quilômetros quadrados - 21 vezes o tamanho do Parque da Redenção, em Porto Alegre.
A reforma, idealizada a partir de 1999, foi planejada para ocorrer em etapas ao longo de pelo menos três décadas. Prevê uso misto com moradia, comércio, serviços e 35% da área para espaços públicos como parques, praças, calçadas e ciclovias. Cada etapa do projeto, com investimento público e privado, é submetida a avaliação popular, e mudanças são feitas para se ajustar às expectativas da população. A flexibilidade reduziu eventuais oposições ao plano, que segue em andamento.
Galena, EUA
Lição: o peso do turismo
Galena é um dos casos mais antigos de cidades que perderam sua vocação econômica, enfrentaram um longo período de decadência e conseguiram se reerguer com um perfil radicalmente diferente. No começo do século 19, era uma potência de mineração de chumbo e ponto de transporte fluvial por meio de barcos a vapor mais importante do que Chicago, que fica no mesmo Estado de Illinois. Nas décadas seguintes, o chumbo perdeu mercado, e o trem substituiu os vapores.
A população despencou de 12 mil para 3,5 mil. Nos anos 1960, o município se deu conta de que os prédios antigos preservados pela estagnação econômica poderiam se transformar em atração turística. A cidade investiu em serviços voltados para visitantes e, hoje, recebe 1 milhão de turistas ao ano.
Turim, Itália
Lição: participação social
Turim é uma das cidades presentes na publicação Um conto de sete cidades, da London School of Economics and Political Science, sobre municípios que vêm aplicando estratégias bem-sucedidas de recuperação econômica e social. Turim entrou em crise econômica a partir dos anos 1970 em razão da decadência da Fiat - motor do desenvolvimento local. Em razão disso, foi a primeira cidade da Itália a adotar um plano estratégico para conquistar uma nova identidade, no começo dos anos 2000.
Esse plano foi alinhavado ao longo de dois anos de debates entre gestores, representantes da sociedade civil, da área científica e empreendedores privados. Envolveu, diretamente, mais de mil pessoas que estabeleceram seis linhas estratégicas, 20 objetivos e 84 ações concretas. O plano foi atualizado em 2005.
Ações de destaque em Turim:
Investimento em turismo e cultura: número de visitantes em 38 museus na área metropolitana cresceu quatro vezes em pouco mais de uma década.
Coesão social: investimentos nas periferias por meio de diferentes políticas públicas.
Inovação e tecnologia: apoio a empreendimentos inovadores e de alta tecnologia por meio de iniciativas como incubadoras empresariais e parques tecnológicos.
Jogos Olímpicos de Inverno 2006: utilização do evento internacional como ponto de partida para renovar a imagem internacional da cidade.
South Bend, EUA
Lição: aposta em tecnologia
South Bend, em Indiana, experimentou um destino comum a muitas cidades industriais: a perda de emprego e renda devido à desindustrialização. Sede da Studebaker, uma das quatro grandes montadoras americanas na primeira metade do século 20, era fortemente dependente da empresa. Quando a montadora fechou as portas na cidade, nos anos 1960, deixou milhares de desempregados.
Recentemente, a cidade converteu a planta abandonada da Studebaker em um parque de alta tecnologia destinado a atrair e abrigar empresas de ponta. A universidade local, chamada Notre Dame, também implantou um parque tecnológico. Ainda há um longo caminho a ser percorrido - os índices de pobreza e crime seguem acima da média regional - mas o município já vislumbra um novo futuro.