Alternativas para diminuir os furtos e roubos de veículos no Rio Grande do Sul, dois dos crimes que mais preocupam os gaúchos, foram discutidas ontem no Painel RBS Segurança Já. No primeiro semestre de 2016, bandidos levaram um veículo a cada 14 minutos no Estado – média de 106 carros por dia.Se levados em conta apenas os roubos, houve acréscimo de 57% nos últimos cinco anos, passando de 5.887 nos seis primeiros meses de 2012 para 9.225 no mesmo período de 2016. A elevação foi três vezes maior do que o aumento de 18% da frota.
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Mediado pelo editor de Segurança do Grupo RBS e editor-chefe do Diário Gaúcho, Carlos Etchichury, e pelo comentarista da Rádio Gaúcha e colunista de Zero Hora Cláudio Brito, o evento contou com três painelistas. Além das discussões de temas como a presença da Força Nacional de Segurança, inspeções em ferros-velhos e estratégias de ação policial, o painel relembrou crimes marcantes. Um deles foi o sofrido pela empresária Karollini Leite Toledo, 29 anos, que precisou implorar para que ladrões não levassem seu filho de oito meses em um assalto em Porto Alegre. Por sorte conseguiu desprender o cinto da cadeirinha e pegar a bebê no colo. O carro foi levado, mas ficou o trauma familiar.
Ao menos Karollini não entrou para as estatísticas que mostram o aumento de mulheres vítimas de latrocínio. Levantamento do Diário Gaúcho mostra que, em todo o ano passado, só uma mulher foi vítima nos ao menos 23 roubos com morte na Capital, enquanto neste ano, até agosto, sete haviam perdido a vida em total de 25 casos – cinco delas atacadas em seus carros.
Foi assim no crime que precipitou a troca de comando na Secretária da Segurança Pública. Em 25 de agosto, Cristine Fonseca Fagundes, 44 anos, foi morta em frente ao Colégio Dom Bosco, em Porto Alegre, enquanto aguardava dentro do carro o filho de 13 anos sair da aula. Foi morta a tiro por um ladrão que exigia seu celular, e tornou-se a 25ª vítima de latrocínio na Capital.
Como parte da mobilização institucional e editorial Segurança Já, os painéis têm como objetivo debater a violência no Estado e, sobretudo, colaborar na busca por soluções. A campanha, que reforça o compromisso do Grupo RBS com a comunidade, começou em 26 de agosto, com a criação de uma editoria integrada sobre o tema, envolvendo esforços de ZH, DG, Rádio Gaúcha e RBS TV.
Os convidados
Adriano Nonnenmacher
Delegado, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS e especialização em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. É o atual titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil.
Paulo Roberto Mendes Rodrigues
Coronel, é juiz do Tribunal de Justiça Militar desde 12 de dezembro de 2008, quando foi nomeado pela então governadora, Yeda Crusius. Nos dois anos interiores, foi comandante-geral da Brigada Militar. Foram mais de três décadas na BM, a maior parte delas acompanhando ocorrências nas ruas.
Cesar Augusto Pereira da Silva
Tenente-coronel, é coordenador da força-tarefa da Operação Desmanche. O oficial está na Brigada há quase 30 anos. Nesse período, afora outras funções, atuou mais de 12 anos no Pelotão de Operações Especiais (POE), oito anos no Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e um ano como diretor do Presídio Central de Porto Alegre.
Operação Desmanche dá resultado
Em março deste ano, ocorreu a primeira operação de grande porte após a sanção do governador José Ivo Sartori à Lei dos Desmanches, em dezembro. Pela legislação, qualquer peça que estiver em ferros-velhos sem comprovante de procedência e nota fiscal, é considerada ilegal e poderá ser imediatamente recolhida.A fiscalização é do Detran, de caráter administrativo, mas as polícias acompanham.
O Instituto-Geral de Perícias (IGP) é responsável por verificar a origem das peças. O tenente-coronel Cesar Augusto Pereira da Silva, coordenador da força-tarefa da Operação Desmanche, diz que, do fim de fevereiro até este mês, foram recolhidas 1.750 toneladas de material irregular.
– Na maioria dos locais, encontramos também oficinas mecânicas. Quando não é credenciada, tudo o que tem lá é recolhido.
Silva ressalta que o crime é organizado com pessoas focadas no roubo, algumas na desmontagem dos carros e outras na venda das peças. Países como Paraguai, Bolívia e Uruguai são os principais destinos.
– Eles (os criminosos) estão vendo os resultados, pois estamos mexendo no bolso do crime. Tem um proprietário de desmanche que perdeu entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões – explica o tenente-coronel.
– Além de prender o assaltante de esquina, estamos atuando contra quadrilhas especializadas – complementa o delegado Adriano Nonnenmacher.
Críticas ao auxílio da Força Nacional
O ex-comandante-geral da Brigada Militar (BM) coronel Paulo Roberto Mendes Rodrigues, hoje juiz do Tribunal de Justiça Militar, discorda da efetividade da Força Nacional em Porto Alegre. Para ele, a decisão do governador José Ivo Sartori de pedir auxílio ao governo federal manchou a história da corporação:
– Fiquei muito triste. Acho que Brigada Militar tem condições (de combater o crime). Talvez tenha de ser fortalecida. Mas isso foi uma mancha para nossa história.
Mendes justifica a opinião dizendo que a presença dos 136 homens não resolve o problema, pois são necessárias ações diárias e não por determinado período. Conforme a BM, a Força deve permanecer no Estado ao menos até o final do ano.
– Quando eles vieram, a população aplaudiu. Hoje, está perguntando onde andam, porque o número é muito pequeno. Isso resolveria para uma operação. No dia a dia, não é assim que funciona. A gente não percebe a Força Nacional.
O ex-comandante salienta que, se os 136 militares fossem a solução para a combater a criminalidade, bastava incorporar esse número de homens à BM.
– Se colocar no papel, (o custo) é uma merreca. Mas não vai resolver.
O tenente-coronel Cesar Augusto Pereira da Silva, coordenador da força-tarefa da Operação Desmanche, diz a que o problema vai além da falta de efetivo nas corporações de segurança:
– É uma situação mais complexa. A própria questão da impunidade interfere. Hoje, 70%, 80% dos criminosos são reincidentes. Se não temos efetivo, temos de achar outras formas.
Levantamento da Editoria de Segurança do Grupo RBS mostrou que a primeira semana de atuação da Força Nacional na Capital registrou queda na média de roubos de veículos – de 24,4 veículos roubados a cada dia entre janeiro e junho para 16,5 por dia na primeira semana das ações de reforço.
Integração de forças em debate
Um exemplo a ser seguido pelo Rio Grande do Sul é o sistema inteligente de monitoramento eletrônico adotado em Jundiaí, no interior de São Paulo. O modelo conseguiu barrar furtos e roubos de veículos e já foi multiplicado pelos municípios vizinhos que hoje formam o “cinturão caipira”. Desde 2014, este tipo de crime caiu 37,3% no município.
O tenente-coronel Cesar Augusto Pereira da Silva, coordenador da Força-Tarefa da Operação Desmanche, disse que cercamento eletrônico em cidades gaúchas está em discussão.
– O auxílio das câmeras vai sair, com espelhamento (das imagens) para a secretaria (da Segurança Pública).
A intenção é que um carro roubado em determinada cidade possa ter seu deslocamento acompanhado mesmo que o criminoso fuja para outro município.
– A secretaria está fazendo as reuniões para que esse sistema seja implantado – diz o tenente-coronel.Enquanto a tecnologia disponível hoje no Estado não pode operar como na cidade paulista, a solução parece ser a integração entre os órgãos de segurança pública, o que já vem sendo feito no Rio Grande do Sul, segundo o titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Adriano Nonnenmacher.
– Trabalhei em cidades do Vale do Sinos que têm muita participação municipal e integração muito boa das polícias Militar e Civil. No Deic, para alguns dos grandes alvos que estamos investigando e vamos prender até dezembro, contamos com informações repassadas pela BM. Também utilizamos muito a Polícia Rodoviária Federal para a troca de dados. Então, esse intercambio existe – diz o delegado.
Questionado sobre possível integração do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) na Operação Desmanche, o tenente-coronel Cesar Augusto Pereira da Silva afirmou que a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente já participa ativamente e que, se for preciso, não há problema em incluir outros órgãos.
– Se a gente precisar (do auxílio) de outras especializadas, tenho certeza de que seremos atendidos.
Abordagens para aprimorar estratégia
Ex-comandante-geral da BM, o coronel Paulo Mendes defende intensificação das abordagens de veículos e a presença de policiais na rua. Para o ele, o carro “é o centro do negócio que favorece o bandido”.
– O policial militar precisa fazer aquilo que é o mais nobre da atividade: a abordagem, exercer a atividade de policial. E o mais fácil é identificar carro (em situação de roubo e furto). Na época, a nossa meta era abordar 70 mil veículos por dia. Gera um sentimento de segurança na população ver o policial na rua, abordando. Nos aproximando do veículos, estaremos muito próximos dos bandidos.
Para driblar a falta de efetivo da BM – o menor em três décadas –, Mendes sugere ações focadas em automóveis.– Quando se tem pouco, tem de centrar fogo no principal. E qual é o principal? O carro. Pegando o carro, vamos pegar tudo. Celular, droga, está tudo embarcado.
O titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Adriano Nonnenmacher, acredita que os índices poderiam cair se o crime de receptação tivesse penas menos brandas.
– As leis são fracas, principalmente em relação a receptação. Poderia haver lei específica para esse crime, e não há. Muitas vezes verificamos que os receptadores foram os verdadeiros ladrões. E, mesmo a gente pedindo a prisão preventiva, a questão probatória é um pouco difícil de fazer.
O delegado ressalta que a DFRV conseguiu diminuir em 54% número de furtos e roubos de veículos em setembro deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. A queda, segundo Nonnenmacher, é resultado de ações em três frentes: grandes operações, com mapeamento das quadrilhas especializadas, prisão de alvos de alta periculosidade e a participação na força-tarefa da Operação Desmanche.