Nesta semana, estava embarcando num avião quando, na fila, um cara cansado de esperar disse para o amigo, sem notar que eu estava ali: "Esse avião parece um navio negreiro de tão lotado". Quando percebeu que eu ouvi, ele ficou verde. Olhei bem para a cara dele e perguntei por que ele se achava no direito de fazer piada com uma das maiores tragédias humanas. Por que eram negros?
Pode parecer babaquice minha, mas nunca vi ninguém fazendo piadinha com a magreza dos judeus no Holocausto, ou com cabeça dos norte-americanos decapitados pelo Estado Islâmico. Por que, então, podem fazer com a tragédia dos negros? Por que as tragédias dos brancos geram trauma e revolta e a dos negros gera piadas? É porque faz mais tempo?
Não pode ser, porque, apesar de ter sido oficialmente abolida em 1888, a escravidão existiu até os anos 1970 em alguns pontos do Brasil. Minha mãe viveu em regime de escravidão. Vou dizer a você o que todo negro sempre quis te dizer: pare de fazer piadas de preto, não gostamos.
A verdade é que o racismo está no DNA dos brasileiros, mesmos dos negros. Somos frutos de uma organização social racista. E quando digo isso, não é porque os negros têm um problema, mas porque a sociedade tem um problema.
Bloco de concreto
Pela mesma porta por onde passa o racismo passa a homofobia, a crueldade, a mentira e outros defeitos de caráter que precisam ser extirpados. O racismo faz mal para os brancos, inclusive.
Quando chamei a atenção dos jovens na fila do voo, não foi para defender os negros, mas para ajudar eles a verem como estavam sendo coniventes com o racismo. O problema é que o racismo que temos é camuflado e se esconde em atitudes cotidianas.
A piada é uma das formas de ele se mostrar. Parece inofensivo, mas corta por dentro, ecoa o dia inteiro. Eu adoro piadas, mas quando elas são racistas, é como se fosse um bloco de concreto sobre quem tenta se levantar. Evite piadas racistas com amigos e parentes. Elas doem, e o amor deles por vocês, às vezes, talvez não lhes permita dizer isso.