Procuradores da República e policiais federais que atuam na Operação Lava-Jato estão numa corrida. Tentam confirmar informações reveladas na fase preliminar do acordo de colaboração premiada que deve ser firmado por 15 diretores da construtora Odebrecht e dezenas de gerentes – o número pode chegar a 50.
Em conversas gravadas desde fevereiro, mas que ainda não têm valor como prova, esses 15 dirigentes da empreiteira – entre eles o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba há mais de um ano – apontaram mais de 230 políticos como beneficiários diretos de desvios de dinheiro público. Em alguns casos, para usufruto. Em outros, para pagamento de dívidas de campanha (caixa 2). Há na lista de delatados deputados federais, senadores, ex-ministros, ministros, governadores e ex-governadores.
Não se pode confundir essa lista com a que surgiu em fevereiro, quando foi apreendida planilha com nome de pelo menos 200 políticos que receberam doações da empreiteira. Investigadores do caso asseguram a Zero Hora: ao contrário da primeira, a lista atual aborda apenas doações ilegais. Isso foi conseguido após sucessivas conversas com os delatores. Aí surgiram os nomes dos mais de 230 supostos cobradores de propina.
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– Estão nesse grupo políticos de todos os partidos importantes, da situação e da oposição. Do PMDB, PT, PP e PSDB, a maioria. Do governo federal que sofreu impeachment, dos que o antecederam e do atual – resume um dos investigadores.
O esforço da Lava-Jato é maior sobre governos mais recentes porque, com relação a desvios de dinheiro ocorridos décadas atrás, é enorme a chance de os crimes terem prescrito. Mesmo assim, podem ser investigados, ressalta um dos envolvidos na operação.
O listão é variado porque a Odebrecht tem contratos com a administração pública dos três poderes, e em praticamente todos os Estados do país. No ano passado, a empresa faturou mais de R$ 130 bilhões com negócios no Brasil e no Exterior.
Além de nomes, óbvio, a Lava-Jato quer provas adicionais. É nisso que reside uma das principais causas da demora em formalizar o acordo de delação. Os executivos da Odebrecht têm apontado datas, números e codinomes de contas. Falam de obras e explicam os apelidos de cada um na lista de beneficiados por propinas elaborada pela empresa. Checar isso demanda tempo. É o caso de um sistema de informática montado pela empreiteira para pagamentos no Exterior. Policiais e procuradores concluíram que a Odebrecht mantinha pelo menos 42 contas no Caribe, que abasteceram 28 offshores com mais de US$ 132 milhões. A informação surgiu após conversas com colaboradores.
Outro dos motivos pelos quais o acordo final ainda não saiu é a penalidade a ser imposta aos executivos. Procuradores exigem, por exemplo, que Marcelo Odebrecht passe pelo menos três anos no regime fechado (num presídio). Já Marcelo, que cumpriu um ano e meio de cadeia, quer sair de trás das grades neste ano – um impasse. Não será surpresa se o acerto de colaboração, previsto para ocorrer até novembro, for adiado. Advogados da Odebrecht passaram o dia de hoje em Brasília, tentando fechar o acordo.
Como é estruturado o acordo
1 - A iniciativa deve partir dos réus. Numa primeira etapa, os advogados dos suspeitos procuram procuradores da República e esboçam um roteiro de assuntos que podem ser abordados pelos seus clientes. No caso, propinas variadas que foram ofertadas pela Odebrecht. Isso durou de fevereiro a maio. É o chamado Acordo de Confidencialidade, uma preliminar do que pode ser revelado.
2 - Numa segunda etapa, os réus se reúnem com os procuradores. Quando soltos, na Procuradoria da República. Quando o réu está preso (como é o caso de Marcelo Odebrecht), ele é transferido para a sede da Polícia Federal em Curitiba. As conversas podem ser lá ou no Ministério Público Federal (MPF) e são gravadas. Isso começou em junho. São detalhadas operações ilegais, que podem incluir outras construtoras, pagamentos ilícitos e nomes de agentes públicos contemplados com propinas sobre contratos fraudados.
3 - Num terceiro ato, quando indícios ficam robustos, procuradores e réus montam um acordo, que é transformado em anexos da delação. Cada anexo deve envolver uma obra ou um tema. Exemplos: um para contratos no setor elétrico, outro para a construção civil, outro para a Petrobras, outro para doações irregulares de campanha a políticos (caixa 2). Os procuradores pedem então à Justiça mandados de busca ou quebras de sigilo fiscal, telefônico e de e-mails, necessário para confirmar os fatos. Os colaboradores já forneceram, por exemplo, dados numéricos e arquivos eletrônicos do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, destinado a pagar propina a pedido de outras áreas da empresa. Um ex-funcionário da Odebrecht revelou um sistema de informática montado pela empresa na Suíça, só para pagamentos no Exterior.
4 - A última etapa consiste em repassar todos esses anexos para o ministro Teori Zavaschi, do Supremo Tribunal Federal (STF), que conduz as investigações da Lava-Jato sobre parlamentares, que contam com foro especial de julgamento. Em troca das revelações, os delatores recebem benefícios que vão da redução da pena à possibilidade de que ela seja cumprida em condições melhores do que as de um presídio (prisão domiciliar, por exemplo). Zavaschi pode autorizar então que o acordo seja cumprido e, a partir dele, inquéritos policiais sejam abertos contra os políticos suspeitos.