A cada onda que invadia a casa e recuava levando consigo uma parede, um piso ou um móvel, o empresário Juvenal Rodrigues, de 58 anos, sentia como se um laço de sua família estivesse sendo rompido. Dois dias depois de ter acompanhado ao vivo a destruição do local onde há mais de seis décadas a família se reunia para comemorar as festas de final de ano, as lembranças da devastação ainda traziam lágrimas aos seus olhos:
– Eu moro aqui perto, e venho pra cá toda semana, essa era a casa de toda minha família. A dor foi muito grande, parecia que a família ia se desmanchando junto com as ondas. Não sei o que vai ser da gente agora, como vamos nos ver, onde vamos nos encontrar – desabafou, enquanto recolhia, na manhã do último sábado, os poucos objetos que restaram após a tormenta.
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Maré baixa no Hermenegildo, onde cerca de 80 casas foram danificadas
Localizada na beira da praia do Hermenegildo, onde vivem cerca de 800 famílias, a casa de Juvenal foi uma das mais de 30 moradias totalmente destruídas pela forte ressaca que atingiu o local, em decorrência de um ciclone extratropical no final da última semana. Outras mais de 50 residências ficaram parcialmente danificadas, nesta que foi considerada pelos moradores a maior tragédia natural da região.
– As pessoas olham ao redor e não acreditam no que estão vendo. Eu, que vi tudo de perto, ainda não consigo acreditar. A sensação de terror na hora em que o mar está invadindo é muito forte, é desesperador. Você não consegue tirar os olhos do mar, se sente impotente frente à força da natureza– relembra o empresário, olhando para os escombros.
Ao lado da irmã, a aposentada Maria Celina Rodrigues, de 66 anos, e de alguns amigos, ele avaliava ainda surpreso os estragos não só da residência de sua família, mas de toda a região onde cresceu:
– Não sobrou nada, mas agora é bola pra frente. Temos amigos, temos pessoas aqui para nos ajudar, mas o cenário é totalmente devastador. Pelo menos o mar agora recuou, o risco pior para as outras casas já passou.
"Vinham feito um tsunami"
O aposentado Carlos Alberto Gonzaga, de 68 anos, morador do Hermenegildo há quase três décadas, também foi surpreendido pelas fortes ondas que invadiram a casa onde vivia com o filho durante a noite de quinta-feira:
– Elas eram tão grandes que vinham por cima do teto. Vinham feito um tsunami. Quando a situação piorou, só deu tempo de pegar alguns documentos e roupas, e logo a casa desabou. Quase morremos na hora e nos momento seguintes, sem ter para onde ir – relembra.
Natural de Rio Grande, Gonzaga dormiu com o filho mais de uma noite na rua à espera de amigos, que chegaram para ajudá-lo a encontrar um local onde pudesse passar a noite e se alimentar. Ainda em estado de choque pelas cenas que presenciou, o aposentado afirma que pretende deixar a cidade nos próximos meses:
– Por enquanto, o que me ajuda a sobreviver são os amigos, os vizinhos. Só que agora não tenho mais nada, não quer continuar aqui. As lembranças assustam muito, é só olhar ao redor – desabafou.
No entorno de sua casa, enquanto algumas pessoas caminhavam pela beira da praia com olhar de perplexidade, outros se sentavam nos escombros, se abraçavam e choravam ao ver o que havia restado da cidade após após os efeitos do ciclone extratropical.
Prefeitura avalia decretar situação de emergência
A sensação de Juvenal, que mesclava tristeza, desolação e alívio, era a mesma compartilhada por muito moradores de Hermenegildo durante o final de semana. Na manhã de sábado, quando a maré começou a recuar e o risco iminente de novos desabamentos foi ficando para trás, centenas de pessoas vindas de diversas cidades da região caminhavam pela orla para ver de perto os escombros, registrar a tragédia em fotos e oferecer ajuda.
Segundo o prefeito de Santa Vitória dos Palmares, Eduardo Morrone, o final de semana foi dedicado a contabilizar os estragos e auxiliar as famílias em condições extremas. Na segunda-feira, prefeitura e Defesa Civil devem se reunir para avaliar a possibilidade de decretar situação de emergência.
– O que aconteceu aqui foi algo nunca visto antes. Já tivemos situações difíceis, mas nunca tantas casas devastadas. O que predomina agora que o clima acalmou na cidade é a solidariedade, com uma vizinhança mobilizada para prestar auxilio – relatou Morrone.