Fundadora da ONG Second Chance, destinada a atender mulheres vítimas de violência doméstica, e autora de um livro para a independência financeira feminina, a advogada norte-americana Ludy Green veio ao Brasil para uma série de palestras a convite da Embaixada dos Estados Unidos. Colunista do Huffington Post em questões de gênero, já passou por São Paulo, Florianópolis e estará na manhã desta sexta-feira em Porto Alegre para um seminário no auditório da Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Sul (Ajuris).
Em entrevista a Zero Hora nesta quinta-feira, Ludy Green falou sobre a proximidade com a violência doméstica na infância - sua mãe foi vítima de agressões, motivo pelo qual resolveu investir a carreira no tema, e também comentou as responsabilidades do Estado e da sociedade para acabar com o machismo e a cultura do estupro.
Leia mais:
Congresso tenta mudar Lei Maria da Penha
ONG pede que agressão psicológica seja julgada como violência doméstica
Vítimas de estupro em Porto Alegre sofrem também com a impunidade
Abaixo, leia os principais trechos da entrevista:
Como começou seu projeto? O que faz a Second Chance?
Fundei meu projeto há 15 anos. Trata-se de uma organização de emprego somente para mulheres maltratadas, vítimas de violência e de tráfico. Nossa organização é a única nos Estados Unidos voltada para isso. Não existe outra. Damos treinamento a elas, ajudamos. Temos um cirurgião plástico que ajuda mulheres que sofreram agressões físicas, ataques violentos com ácidos. Também temos dentistas que ajudam a reparar dentes das vítimas. Ajudamos com cabelos, com roupas e tudo o que elas necessitarem, incluindo abrigos, muitas vezes. Trabalhamos com hotéis associados. Oferecemos uma rede de apoio.
Por que a senhora escolheu trabalhar com vítimas de violência doméstica
Minha mãe morreu assim. Quando eu era menina, convivi com esse sofrimento de violência doméstica. Isso não afetou só a minha mãe, mas também afetou a mim e continua afetando. Antes de morrer, ela me disse para que eu continuasse estudando e que trabalhasse, que fosse independente, que não fosse como ela. Isso ficou na minha cabeça. Levei 10 anos da minha vida para me preparar para esse desafio. Trabalhei com recursos humanos, fiz trabalhos com governadores, presidentes e tudo isso me ajudou a começar a organização.
A independência financeira é uma saída para o fim da violência contra a mulher?
Definitivamente. Se a mulher tem seu próprio dinheiro, suas próprias coisas, sua vida independente do marido, isso não ocorre. Ela pode sair, ter uma casa, pode manter seus filhos, mas se ela não tem isso, a autoestima não existe. Se a mulher depende do homem, como vai fazer? Tem de ser independente.
Como são as estatísticas de violência doméstica nos EUA?
De acordo com os nossos levantamentos, uma em cada quatro mulheres são vítimas. Temos mulheres brancas, de muito dinheiro, que procuram ajuda na minha organização. O número de casos tem crescido muito. Mas as denúncias também aumentaram. Atualmente, pelas estatísticas que temos, 51% das mulheres vítimas procuram a polícia e a ajuda da nossa organização.
E as leis nos Estados Unidos protegem as mulheres?
Temos uma legislação muito forte nesse sentido. Até prisão perpétua para alguns casos. mas depende muito dos Estados, em razão de termos uma lei federal e leis estaduais, o que não ocorre no Brasil. Isso dificulta muito. Alguns Estados não apoiam as vítimas da nossa organização. Tenho muitos problemas com meus clientes, pois trabalho em seis Estados diferentes. A articulação no Congresso tem de ser bem forte. É complicado.
Os governos são responsáveis pela perpetuação da cultura do machismo e de uma sociedade patriarcal?
Na verdade, o governo é um reflexo da nossa sociedade. É a forma com que nós crescemos. Vem da cultura dos povos, das religiões também. Repetimos o mesmo comportamento dos nossos pais que viveram em outras gerações. Ainda hoje é um ciclo vicioso que tem de acabar. O governo é responsável pela falta de educação. Desde pequenos deveríamos ter uma educação de qualidade, que ensinasse mais respeito às mulheres. E também acho que estamos nessa situação por regras religiosas impostas a nós, que temos de seguir.
O feminismo é um movimento capaz de mudar a cultura machista e, consequentemente, minimizar os casos de violência doméstica?
Violência doméstica é um problema familiar. Nunca vou generalizar, dizer que todos os homens são criminosos ou que não respeitam as mulheres. Em nossa organização, por exemplo, temos 10 homens como diretores e cinco mulheres. Alguns deles têm casos em suas famílias. Não participo de movimentos assim. É uma ideologia radical, sou totalmente contra, não compactuo.
*Zero Hora