Investigada na Operação Greenfield da Polícia Federal (PF), deflagrada na segunda-feira, a Bolognesi Energia, do grupo Bolognesi, teve o sigilo bancário quebrado, além de sequestrados por determinação judicial um imóvel rural, uma aeronave e um automóvel.
O grupo se tornou alvo do Ministério Público Federal (MPF) por ter participação em empresa que recebeu R$ 800 milhões de aporte suspeitos com origem em fundos de pensão. As medidas, que incluíram operação de busca e apreensão na sede da Bolognesi, na Capital, foram determinadas pela 10ª Vara Federal de Brasília, no escopo de apuração de ações fraudulentas que teriam causado um prejuízo de R$ 8 bilhões em fundos de previdência complementar de estatais e bancos públicos.
Conforme os indícios colhidos pelo MPF, esses fundos são suspeitos de fazer investimentos ilegais ou irregulares em troca de pagamento de propina a gestores e políticos. A PF chegou a Bolognesi por conta da participação do grupo em uma empresa de investimentos em energia, a Multiner. Fundada por ex-dirigentes da Eletrobras, a Multiner recebeu, em 2009, R$ 412 milhões de 11 fundos de pensão. Por esse preço, os fundos adquiriram 20% das ações da empresa. Contudo, seu real valor de mercado havia sido supervalorizado. Segundo o MPF, com essa quantia, os fundos deveriam controlar 68% da Multiner.
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Em 2012, após sucessivos prejuízos, a Multiner teve parte do controle acionário assumido pelo Bolognesi, que levou para o negócio a operação de duas usinas de energia. Com a justificativa de que o grupo gaúcho teria experiência na área e iria estancar os prejuízos sucessivos, os fundos de pensão injetaram mais R$ 391,6 milhões, a despeito de voto contrário do diretor de investimento da Funcef, da Caixa Econômica Federal. O resultado continuou negativo nos anos seguintes.
O MPF aponta também que, antes do aporte de novo capital, não foi realizada a avaliação dos ativos apresentados pelo Bolognesi, conforme previsto na assinatura do contrato. Um novo acordo foi fechado em 2014, com o grupo Bolognesi assumindo o controle direto e indireto da Multiner, com 61,86% das ações ordinárias, e a Multiner Fundo de Investimentos em Participações (FIP Multiner) com os 38,14% restantes. Até o final do ano passado, o grupo gaúcho deveria injetar mais R$ 100 milhões na empresa, investimento que a PF não sabe se ocorreu.
– A investigação quer saber se o grupo Bolognesi se beneficiou ilegalmente dos aportes feitos pelos fundos de pensão. Estamos rastreando esse dinheiro – explica um integrante do MPF.
Além da ação na sede da Bolognesi, agentes da PF estiveram em um apartamento no bairro Bela Vista, na Capital, pertencente a Julio Pereira Cardozo Junior. Ele é apontado como ex-diretor de administração de carteira da Vitória Asset Management, empresa que geria o fundo investidor da Multiner no qual ingressavam os recursos dos fundos de pensão. Cardozo Junior foi levado coercitivamente para prestar depoimento, pois, segundo o MPF, teria agido "diretamente para ocorrência do prejuízo financeiro de Petros, Postalis e Funcef ao gerir de forma fraudulenta" o fundo da Multiner. Na gestão da empresa, a Vitória, com a Planner Corretora de Valores, teria recebido R$ 15 milhões além do devido.
Contrapontos
O que diz o grupo Bolognesi
Segundo a assessoria de imprensa, a empresa não tem relação com os fundos de pensão. O grupo atribui a busca e apreensão à tentativa da Polícia Federal de resgatar o histórico de participação dos fundos de pensão da constituição da Multiner. A Bolognesi também afirma não ter sido comunicada sobre a indisponibilidade dos bens. Sobre a aquisição da Multiner, a Bolognesi Energia S/A informa que a o negócio seguiu as regras de mercado. Não é possível avaliar o retorno do FIP Multiner, porque a empresa se encontra em processo de reestruturação na qual o controlador tem obrigação de aporte de até R$ 226 milhões em ativos até 31 de dezembro de 2020.
O que diz Julio Cardozo Junior
A reportagem não localizou a defesa do ex-diretor.
A CONEXÃO
– Ex-dirigentes da Eletrobras criam a Multiner, para desenvolver projetos na área de energia.
– Mesmo alimentada por investimentos de fundos de pensão, a Multiner enfrentava dificuldades e prejuízo.
– A Bolognesi se associa à Multiner e fica com o controle da empresa, criando a Bolognesi Energia.
OS INDÍCIOS DE FRAUDE NA MULTINER
– Onze fundos de pensão injetaram inicialmente R$ 412 milhões na Multiner. Somente a Funcef, da Caixa Econômica Federal, entrou com R$ 102 milhões.
– Juntos, montaram a Multiner Fundo de Investimentos em Participações (FIP Multiner), que adquiriu 20% da Multiner original.
– Conforme os investigadores, os fundos teriam contratado empresas para superdimensionar o valor de mercado de ativos nos quais investiriam.
– Na Multiner, quem fez essa avaliação para a Funcef foi a CG Quatro Consultoria Empresarial, firma aberta apenas dois meses antes e cujo objeto social era "design de interiores". A escolha da CG Quatro se deu por indicação da Gerência de Participações da Funcef, a um custo de R$ 15 mil, valor considerado irrisório (10% do preço para operações deste porte).
– Em seu relatório, a CG Quatro avaliou a Multiner em R$ 2,19 bilhões, valor considerado muito acima da estimativa real. O mesmo teria ocorrido com a LD Consultoria, contratada pela Petros, fundo de pensão da Petrobras, para também apontar o valor de mercado da Multiner.
– Um ano depois, a Deloitte projetou que a Multiner valia R$ 834 milhões – um terço do apontado pela CG Quatro.
– Essa diferença, para os procuradores do Ministério Público Federal (MPF), mostra que os fundos deveriam ter 68% das ações da Multiner, e não apenas os 20% adquiridos em 2009.
– A Multiner também acumulou prejuízos sucessivos desde que foi criada.
– Teriam sido pagos cerca de R$ 15 milhões a mais do que deveria ser desembolsado a título de taxa de administração.