Desde 2013, quando começou o programa Mais Médicos, cerca de 8% dos profissionais cubanos que vieram para o Brasil desertaram, segundo dados do Ministério da Saúde. O índice pode parecer pequeno, mas tem afetado cidades que dependem dos serviços. Viamão, na Região Metropolitana, por exemplo, teria 25 médicos cubanos para atender cerca de 250 mil habitantes. A intenção da Secretaria de Saúde era fixá-los em pontos estratégicos para atuar em comunidades carentes ou em áreas rurais. Cinco deserções deixaram cerca de 800 pacientes com consultas agendadas pendentes. A prefeitura foi obrigada a montar uma força-tarefa para remanejar os atendimentos, processo que levou meses.
Dos cinco médicos que fugiram, quatro escolheram o mesmo destino: Miami, nos Estados Unidos. Chegaram em diferentes momentos a Viamão, mas agiram da mesma forma: ausentavam-se das unidades de saúde, por folga ou atestado, sempre em dias próximos aos finais de semana. Uma médica cubana foi de férias para Cuba, em 2015, e não voltou mais ao Brasil.
Leia a primeira parte desta reportagem:
Três anos depois, Mais Médicos passa bem no interior do Estado
Todas as deserções para os Estados Unidos foram em 2016. Duas delas em março, outra em maio e a última em julho. No início, os colegas ficavam apreensivos, com medo de que os médicos pudessem ter sido vítimas da violência urbana. No primeiro caso, chegou a ser feita uma ocorrência na Polícia Civil. Ninguém imaginou que pudesse se tratar de uma fuga. Dias depois, notícias começavam a chegar via redes sociais.
– Não faço ideia do motivo pelo qual esses profissionais resolveram sair de Viamão. Não tivemos aviso prévio, digamos assim, para remanejar as consultas agendadas para eles. Ficamos sabendo depois que já estavam fora do país. Mas são opções de vida que as pessoas fazem, a partir do que vivem no seu país, do que viveram por aqui e da perspectiva de futuro que desejam. Então, não criamos nenhum juízo de valor. Acreditamos que foram decisões individuais e respeitamos essa opção – ressalta a secretária de Saúde de Viamão, Sandra Sperotto.
Sentado em seu consultório, na Unidade Básica de Saúde Monte Alegre, em Viamão, Jorge Joaquin Alvarez, 53 anos, foi um dos médicos que tiveram sua agenda superlotada em função daqueles profissionais que deixaram o país. Trabalhou mais horas do que deveria, em dias de folga, por conta dos colegas que desertaram.
– Cada um tem suas motivações pessoais, e isso eu não discuto. O que não consigo compreender é como um médico deixa um paciente na mão. Como você assina um contrato e não cumpre? É falta de moral, falta de ética. Nós fizemos um juramento. A medicina é uma vocação. Essas notícias me entristecem. É uma traição à pátria – lamenta.
O lançamento do programa Mais Médicos, em 2013, foi acompanhado de duras críticas por parte de entidades que representam a classe no país. A principal polêmica levantada à época foi a de que os profissionais cubanos estariam tirando vagas de médicos brasileiros. O governo rebateu e alegou que os estrangeiros seriam destinados para os locais aonde os profissionais nascidos no Brasil não queriam ir – tanto pela localização, em casos de pequenos municípios, quanto pelo salário, que é abaixo da média que os brasileiros costumam ganhar.
O Ministério da Saúde paga R$ 10 mil mensais por profissional, independentemente do perfil. No caso de brasileiros ou estrangeiros, o valor é depositado diretamente na conta do médico. Para os cubanos, o repasse é feito para a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que então os remunera diretamente por serem funcionários do sistema de saúde cubano e receberem outros benefícios sociais no país de origem, além de terem custeadas, no Brasil, moradia e alimentação. O vencimento que resta para os cubanos, segundo relatos informais de médicos consultados pela reportagem, varia entre R$ 3 mil e R$ 4,5 mil.
Programa foi prorrogado, mas cubanos devem ser substituídos
Três anos depois do início do programa, o embate entre o governo e a classe médica arrefeceu, e o Ministério da Saúde resolveu priorizar vagas para brasileiros em novos editais. Dessa forma, o interesse da categoria também aumentou – e hoje alguns estudantes de medicina ganham, inclusive, vantagens na residência médica (10% nas provas) se participarem do Mais Médicos.
– Nos tranquilizou muito perceber que os cubanos foram bem orientados a não tratar nenhuma doença. Se há alguma coisa mais grave, eles encaminham para especialistas. Por outro lado, o Mais Médicos teve impacto zero na saúde pública do país. As emergências continuam lotadas, com pessoas nos corredores – analisa o presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes.
– Estávamos esperando essas medidas que o governo adotou recentemente. Nos últimos editais, começaram a priorizar médicos brasileiros. O cenário começou a mudar, especialmente depois que o governo também ofereceu algumas vantagens, bônus na residência médica. Esperamos que o programa continue dessa forma e haja uma transição natural até que não seja mais necessária a presença de cubanos no país – complementa Rogério Wolf de Aguiar, presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers).
Na última segunda-feira, atendendo aos pedidos dos prefeitos, o presidente Michel Temer assinou a lei que prorroga o programa por mais três anos, válido para médicos estrangeiros e brasileiros formados no Exterior. Mas reportagem da Folha de S.Paulo publicada no último dia 15 afirma que o Ministério da Saúde e o governo de Cuba planejam, nos próximos três meses, substituir 4 mil cubanos cujos contratos estão por encerrar. Novos profissionais devem ser enviados da ilha caribenha para o Brasil a partir de dezembro.
Os prefeitos e os pacientes atendidos comemoram a continuidade do Mais Médicos. Para os administradores municipais, participar do projeto é uma vantagem e tanto. As prefeituras passaram a gastar menos com saúde, pois um médico contratado custava muito mais que um cubano subsidiado pelo Ministério da Saúde, e conheceram médicos dedicados com a atenção básica de saúde, atendendo a uma necessidade histórica das comunidades, como ressalta o presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Luciano Pinto:
– Definitivamente, este é um programa que deu certo. Resolveu o problema dos prefeitos, que sempre enfrentaram a dificuldade de encontrar médicos interessados em morar no Interior, além do custo, que era muito elevado. E o que importa para o cidadão não é a língua que ele fala, mas ter um atendimento qualificado de saúde.
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Mais Médicos em números
> 16,1 mil médicos participam do programa
> 18,2 mil vagas disponíveis (reposições em andamento)
> Cubanos representam cerca de 60% dos médicos do programa
> Brasileiros preenchem 28% das vagas ocupadas (o restante são estrangeiros de outros países)
> Lei publicada no último dia 13 no Diário Oficial prorrogou o programa até 2019