Acostumados a ter a sombra de eucaliptos na beira da Lagoa dos Patos, moradores de Arambaré tiveram uma surpresa quando viram galhos e troncos caídos na praia da Costa Doce. O corte de mais de 40 árvores, que há décadas refrescavam veranistas e habitantes locais, atendeu a um pedido da prefeitura.
Por se tratar de uma planta exótica, segundo o biólogo Jackson Muller, não há um impeditivo legal para a retirada dos eucaliptos da região, que é uma área de preservação permanente (APP). O problema, diz Jackson, são as consequências de uma retirada brusca da espécie no local:
– O adequado seria fazer uma substituição gradual dessas plantas por árvores nativas, como a figueira, que é muito característica da região. A remoção dos eucaliptos exige um procedimento cuidadoso, com a anuência de um órgão florestal estadual. Tudo isso para que não haja danos à flora e fauna que circundam o eucalipto.
Além disso, o biólogo chama atenção para a questão cultural dos visitantes da Lagoa dos Patos, que se acostumaram com a sombra proporcionada pelos eucaliptos, e a paisagística, uma vez que as árvores de Arambaré são uma marca da cidade.
Morador da região há 27 anos, um homem, que preferiu não se identificar, afirma que não vê explicação para a perda ambiental. Ele conta que sua família sempre cuidou da área, fazendo limpezas e plantando outras espécies de árvores.
– Parece que tiraram um doce de coco da mesa da gente. O grande diferencial de Arambaré, em relação a outras praias, é a sombra em toda a extensão. Ali embaixo dos eucaliptos tem uma cancha de bocha, tem a pista de caminhada. Era o lugar mais concorrido no verão.
Cinco ou seis árvores haviam sido derrubadas na semana passada. Na terça-feira, enquanto estava viajando, o morador relata que vizinhos viram um homem munido de uma motosserra tombando os eucaliptos.
Mesmo plantando figueiras próximo às plantas exóticas, o morador diz que não tinha nada contra as árvores e utilizava sua proteção a favor da vegetação nativa.
– Quando plantei figueiras ali, deixei algumas sob a proteção dos eucaliptos. Essas prosperaram; as outras (que plantou longe) tiveram dificuldade para se desenvolver.
Adão Brasil, que mora próximo ao local há 67 anos, ajudou na plantação dos eucaliptos. Ao comentar a tristeza que sentiu ao ver o trabalho no chão, Adão indicou que vários habitantes da cidade fizeram denúncias à Patrulha Ambiental de Camaquã (Patram), responsável pelo atendimento da região.
– Estou chocado. É muito triste ver os tocos das árvores agora sem vida. Muitos aqui de Arambaré denunciaram o caso à Patram. Depois disso, o homem com a motosserra sumiu.
O vereador Gerson Luis Pastoriza Ribeiro lembra que, desde o ano passado, a população pediu à prefeitura para realizar a poda das plantas, que ficaram com alguns galhos quebrados sobre a fiação elétrica depois de um temporal.
– Era para podar, não cortar. Vários fazendeiros da região ofereceram madeira à prefeitura, inclusive para construir pontes. Se essa for a explicação para o corte, não justifica.
Gerson também explica que as árvores cortadas não apresentavam risco à população. Pelo contrário: segundo ele, elas protegeriam quem frequentava o local de outras árvores mais antigas que pudessem cair.
– Agora que abriram aquele clarão, as árvores mais antigas têm ainda mais chance de cair. Se der chuva ou um vento forte na praia, elas podem vir ao chão.
Eucaliptos ficaram caídos sobre as figueiras
Não foi apenas a flora que sofreu consequências pelo corte dos eucaliptos. Uma outra moradora da região, que preferiu ter a identidade preservada, conta que encontrou vários ninhos de pássaros no chão, com ovos quebrados espalhados entre a vegetação.
– É uma coisa totalmente descabida, porque trabalhamos com a preservação do meio ambiente. Acredito que o ecossistema em torno da lagoa é um patrimônio da humanidade, não só de Arambaré ou dos moradores da região. Então, o próprio gestor público destruir aquela área, assassinar aquelas árvores, é um crime que não tem perdão. Há uma indignação de toda a população – afirma.
A moradora conta que alguns dos eucaliptos foram plantados há décadas por um morador humilde da comunidade.
– Foram plantados há mais de 50 anos e destruídos em menos de três dias. Por mais que se replante, vai demorar 60 anos para termos árvores desse porte, com a sombra maravilhosa que nos proporcionavam. O dano ambiental não tem reparação.
Prefeitura explica que árvores ofereciam riscos à população
A Prefeitura de Arambaré afirma que o motivo para o corte das árvores é o risco oferecido pela plantas – com 12 metros de altura – à fiação elétrica. Segundo a prefeita municipal, Joselena Scherer (PDT), serão removidos cerca de 150 eucaliptos. No lugar, haverá o replantio de 300 árvores de espécies nativas.
– Esses eucaliptos têm quase 20 anos e são muito altos e perigosos. (Eles podem) quebrar no meio e cair em cima da alta tensão e das residências – argumenta.
A prefeita lembra que durante uma enchente no município, em novembro de 2015, algumas árvores precisaram ser cortadas em função do risco de queda.
– No ano passado, os moradores do bairro Costa Doce pediram que fosse tomada alguma providência em relação ao risco de queda dos eucaliptos – defende Joselena.
A prefeitura da cidade afirma que possui respaldo jurídico para cortar os eucaliptos, conforme a legislação estadual. A madeira será utilizada para a construção de pontes em Arambaré.