Sufocada por lembranças, Virgínia Cunha Betiatto reluta em assimilar a morte do marido, atingido pelo trem de pouso de um avião da Latam Airlines na madrugada de 11 de julho, em Porto Alegre. O mecânico de aeronaves Adriano Luiz Schuch, de 34 anos, estava no pátio do aeroporto Salgado Filho quando o veículo em que trabalhava foi movimentado e passou sobre sua perna esquerda e parte do tórax.
Por 21 dias, Virgínia permaneceu em tristeza profunda, sentimento que só foi atenuado com a confirmação, há pouco menos de um mês, de que carregava um pedaço de Adriano consigo: a bancária de 28 anos está grávida. O filho foi planejado por ambos para vir ainda neste ano, mas, a notícia da gravidez, o mecânico não teve tempo de receber.
A morte do marido e a gestação, que completou 10 semanas na segunda-feira, fazem com que Virgínia transite repetidamente entre o sofrimento e a felicidade. Ao falar sobre Adriano e seu filho, cujo sexo ela ainda não sabe, a mesma lágrima de dor e saudade que rola sobre as suas bochechas transforma-se, no instante seguinte, em choro de alegria ao lembrar do bebê.
– No primeiro momento é um susto, mas, depois, é um conforto, porque uma parte dele ficou aqui com a gente – explica.
Para ela, a mudança pela qual seu corpo está passando representa a continuidade dos laços matrimoniais firmados diante do altar há três anos e nove meses. Com uma única correção nas falas dos noivos: "na alegria e na tristeza, além do fim das nossas vidas".
– Tem horas em que me conforta saber que vai ter um bebê, uma criança. Saber que, de certa forma, a nossa história vai continuar – comenta Virgínia, exibindo um sorriso.
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Passado mais de um mês do acidente, ainda é difícil ouvi-la falar de Adriano sem que a voz embargue. Após uma respiração pausada, sucedida de um riso tímido, que contrasta com a vermelhidão dos olhos, ela descreve o companheiro, a quem começou a namorar em 2004, como o parceiro de todas as horas:
– Nunca falava não, estava sempre disposto. Se eu tinha que fazer alguma coisa, ele ia junto, participava, estava sempre junto.
Moradores de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, Adriano e Virgínia haviam se mudado para a casa nova no início de abril. Já tinham até reservado um quarto para o filho, que sonhavam em ter juntos ainda neste ano.
– Cada hora em que eu lembro é um susto, porque parece que não aconteceu. Ele estava bem, sabe? Eu vi ele sair de casa. Estava tudo bem – lamenta Virgínia.
Delegado indicia colega do mecânico por homicídio culposo
Chovia forte na madrugada de 11 de julho, quando três funcionários da Latam, entre eles Adriano, trabalhavam na manutenção de uma aeronave estacionada no Salgado Filho. A vítima, próxima ao trem de pouso, acabou esmagada pelo veículo por volta das 3h30min. Socorrida ao Hospital Cristo Redentor, na Capital, chegou a ter o membro amputado antes de morrer, 10 horas após o acidente.
Conforme apuração do delegado Cleber Ferreira, devido ao mau tempo, somente Adriano e o colega que estava na cabine do avião tinham comunicação via rádio portátil. O motorista do pushback (trator de reboque) mantinha apenas contato visual com a vítima.
– Como estava chovendo muito, a comunicação visual era péssima e ele (colega de Adriano) entendeu que era para movimentar a aeronave.
O inquérito, que foi remetido à Justiça há cerca de 15 dias e está sob análise, indicia o operador do pushback por homicídio culposo (sem intenção de matar), por imperícia e negligência. Para o delegado, ele deveria estar atento a quais equipamentos eram necessários naquela madrugada, levando em conta todas as circunstâncias – inclusive as condições climáticas.
– No meu entendimento, houve falha do operador, por isso os donos da empresa não estão sendo indiciados – explica Ferreira.
"Até hoje, ninguém veio falar com a gente", reclama mãe de Virgínia
Visivelmente abalada, Virgínia tem feito acompanhamento psiquiátrico. A casa em que morava com o marido, em Cachoeirinha, virou local de visita, já que o seu novo endereço passou a ser o mesmo da mãe e do padrasto.
– Até vou lá, mas ficar sozinha não dá. Não consigo – conta Virgínia, ao lembrar que a Latam nomeou uma assistente social para prestar apoio à família, mas o serviço durou apenas até o sepultamento de Adriano, no dia seguinte.
Mãe de Virgínia, Núbia Susana Santos da Cunha, de 49 anos, ressalta que a empresa aérea divulgou nota colocando-se à disposição para qualquer eventualidade, o que não vem sendo cumprido, segundo ela.
– A minha filha precisa de uma assistência psiquiátrica especializada, alguém que venha prestar socorro, que dê uma continuidade. Porque, pra nós, com a morte do Adriano é que começou todo o processo. Está começando agora um outro tipo de vida. Mas o tempo está passando, e as pessoas, esquecendo. Até hoje, ninguém veio falar com a gente – reclama.
Em nota, a Latam disse que "está prestando a assistência à família de seu funcionário", mas não respondeu quais são os serviços ofertados. Também explicou que "está colaborando com as autoridades responsáveis pelo caso" e "que segue os mais elevados padrões de segurança do mundo".