O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse, nesta terça-feira, que "é preciso colocar freios" na atuação dos procuradores da República. Ele não citou nomes, mas se referiu diretamente a procuradores da Operação Lava-Jato.
A fala do ministro é a mais contundente manifestação já disparada por um membro da Corte máxima contra os procuradores.
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Gilmar Mendes se revela indignado com o que classifica de vazamento de informações sobre a delação do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS.
O executivo, segundo a revista Veja, revelou detalhes de uma obra na residência do ministro do STF, Dias Toffoli, ex-advogado do PT e amigo de Gilmar Mendes. A obra teria sido realizada pela OAS, alvo da Lava-Jato por cartel e corrupção na Petrobras.
Para Gilmar, o vazamento seria um "acerto de contas" de procuradores porque Toffoli os teria contrariado ao mandar soltar o ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento) e "fatiado" a investigação sobre a senadora Gleisi Hoffman (PT/PR) na Lava-Jato.
– O fatiamento por ele (Toffoli) decretado e esse habeas corpus no caso do Paulo Bernardo (ex-ministro preso em julho na Operação Custo Brasil, mas solto por ordem de Toffoli), isso animou os procuradores a colocar artigo no jornal e coisas do tipo – diz Gilmar. – Como eles (procuradores) estão com o sentimento de onipotentes decidiram fazer um acerto de contas.
– Decidiram vazar a delação (de Léo Pinheiro, da OAS), mas tem que se colocar um limite nisso. Quando você tem uma concentração de poderes você tende a isso, a que um dado segmento, que detém esse poder, cometa abusos – afirma o ministro do Supremo.
– Não há nenhuma censura imputável ao ministro Toffoli, mas tudo indica que ele está na mira dos investigadores. Em razão, provavelmente, de decisões que (Toffoli) tem tomado e os têm desagradado. Se é isso, temos que prestar muita atenção. Há o risco de se tornar algo policialesco – declarou Gilmar.
– No contexto de incensamento da Lava-Jato e seus operadores já há coisas muito, vamos dizer assim, exageradas – avalia o ministro. – Por exemplo, isso (a Lava-Jato) os animou a apresentar essas propostas de combate à corrupção (projeto 10 Medidas, em curso no Congresso). Ninguém é a favor da corrupção. Mas, vejamos, a proposta de que prova ilícita, obtida de boa fé, deve ser validada, a priori, tem que ser muito criticada e se negar trânsito. Imagine, agora, um sujeito que é torturado: "Ah, mas foi de boa fé".
Gilmar Mendes citou o caso do ex-delegado Protógenes Queiroz, da Operação Satiagraha – deflagrada em 2008 –, que foi expulso da Polícia Federal por violação de sigilo funcional.
– Isso lembra o nosso delegado herói, que fazia interceptação telefônica sob o argumento de que agia com bons propósitos. Ora, espera aí. A autoridade se distingue do criminoso porque não comete crime, senão é criminoso também! Aí vira o Estado de Direito da barbárie.
– Estado de Direito tem que ser Estado de Direito. Não se combate crime com a prática de crime. É preciso moderação, que os procuradores calcem as sandálias da humildade.
– Eu vi outro dia na TV uma procuradora da República falando que o Congresso tem que aprovar o projeto (10 Medidas) porque teve o apoio popular (mais de dois milhões de assinaturas). Ora, de onde tiraram essa autoridade, essa legitimidade? Como assim, o Congresso tem que aprovar o pacote todo? Depois será um desastre em termos de aplicações.
O ministro disse que "o recado está dado".
– Isso não vai prosseguir assim, a gente tem instrumentos para se colocar freios. É preciso colocar freios nisso, nesse tipo de conduta. No caso específico do ministro Toffoli, provavelmente entrou na mira dos investigadores por uma ou outra decisão que os desagradou.
– Isso já ocorreu antes no Brasil. O cemitério está cheio desses heróis. Mesmo no elenco dos procuradores. Ninguém pode esquecer de Guilherme Schelb, Luiz Francisco e tantos mais (procuradores da República que foram acusados de abusos). Estamos preocupados, mas está dado o recado. Se houver exagero alguém tem que puxar. O tribunal (STF) tem mecanismos para fazer valer a lei.
Gilmar Mendes considera que "há uma falta de coordenação".
– Vejamos a própria estrutura da Procuradoria. Ela não dispõe de uma estrutura de coordenação. Isso leva às vezes a esses exageros. Por outro lado, estão muito avançados nas investigações. Eles dispõem de informações e têm a mídia como numa situação de dependência. A mídia está hoje em relação aos investigadores como um viciado em droga em relação ao fornecimento da substância entorpecente.
– Isso precisa ser colocado nos seus devidos termos. Vazamento tem em todo lugar. No caso do ministro Toffoli, a responsabilidade é clara da Procuradoria como um todo.
– A concentração de poderes é um risco. Depois não querem a Lei do Abuso de Autoridade. É muito curioso.
*Estadão Conteúdo