O assassinato de Cristine Fonseca Fagundes, no final da tarde do dia 25 de agosto, desencadeou entre os gaúchos uma onda de comoção e revolta de proporção invulgar. O latrocínio diante do Colégio Dom Bosco era apenas mais um caso da nossa violência cotidiana, mas não era apenas mais um caso. Era a gota d'água, a ultrapassagem de todos os limites. Logo depois do episódio, a impressão era de que o Estado todo falava no assunto.
A reação foi tão forte que conseguiu até tirar o governador José Ivo Sartori da letargia. Depois de quase dois anos de imobilidade do governo, o secretário de Segurança perdeu o cargo, um gabinete de crise foi montado e o auxílio de homens da Força Nacional foi solicitado a Brasília.
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Com a sociedade e o governo mobilizados, resta saber que estratégias adotar para reverter o quadro. Uma boa saída pode ser analisar iniciativas que já deram certo mundo afora. Diferentes cidades, Estados e países já enfrentaram situações de descalabro na segurança tão ou mais graves do que aquele vivido pelo Rio Grande do Sul – e conseguiram dar a volta por cima. Zero Hora traz cinco exemplos que podem inspirar a discussão que os gaúchos precisam fazer.
COLÔMBIA: leis mais duras e reforço à cidadania
Assolado por cartéis de traficantes, por guerrilhas e por grupos paramilitares, o país registrava índices de violência estratosféricos na década de 1990. O enfrentamento da situação deu-se por meio de uma estratégia que combinou a repressão ao crime com políticas de viés social, levada a efeito a partir de parceria entre o governo federal e as prefeituras.
Ao mesmo tempo em que houve endurecimento na legislação, investimento em prisões de alta segurança e criação de forças policiais de elite, em parceria com o Exército, ocorreram também iniciativas de cidadania.
O caso mais emblemático é o de Medellín, ondes espaços públicos, principalmente nos bairros mais pobres, foram multiplicados e qualificados, recebendo atividades de lazer, esporte e cultura. Surgiram os parquesbiblioteca, com edifícios enormes, de arquitetura arrojada, dotados de livros, tecnologia e áreas de convivência. Houve ampla construção de escolas em cada zona e melhorias significativas no transporte público. Bairros isolados em encostas de montanha ganharam escadarias e até teleféricos. Jovens envolvidos no crime foram contratados como educadores, para trabalhar na prevenção, e espalhou-se por cada comunidade a figura do mediador de conflitos.
Em Medellín, que chegou a ter uma taxa de 177 assassinatos por 100 mil em 2002, a queda foi para 36 em 2006 e atualmente está na taxa dos 17.
CHICAGO (EUA): foco na faixa de 12 a 16 anos
A metrópole norte-americana, que tem uma taxa elevada de homicídios, implantou a partir de 2001 o projeto Becoming a Man (tornando-se um homem). A ideia é trabalhar com estudantes de Ensino Médio, na faixa dos 12 aos 16 anos, que apresentam maior risco de envolvimento no crime, seja por características pessoais, familiares ou sociais.
Organizados em grupos pequenos, esses adolescentes participam de encontros semanais ao longo do ano escolar, durante os quais são trabalhados valores como integridade, autodeterminação e expressão da raiva. O trabalho é embasado em técnicas da psicologia, da teoria da resiliência e da terapia de grupo. Nos casos em que há necessidade, ocorre um aconselhamento individual.
Os resultados revelaram-se impactantes. Uma análise feita em junho pelo Crime Lab da Universidade de Chicago mostrou que o programa é eficaz na prevenção da violência. Com base no trabalho feito entre 2013 e 2015, os pesquisadores concluíram que o Becoming a Man reduz em 50% as prisões por crimes violentos e em 35% as prisões em geral, além de melhorar o desempenho escolar.
Segundo as estimativas do Crime Lab, cada dólar investido no programa produz um benefício de mais de US$ 30 para a sociedade.
RICHMOND (EUA): bolsa para deixar crime
A cidade de Richmond, no estado norte-americano da Califórnia, adotou uma estratégia radical e controversa para combater a violência, que inclui pagar uma bolsa a bandidos que se afastam do crime. Um dos princípios que embasou a política é de que um número reduzido de pessoas responde por grande parte da violência registrada em uma comunidade – no caso de Richmond, 28 indivíduos haviam cometido 70% crimes mais violentos ocorridos em 2009. A cidade decidiu trabalhar diretamente com essas pessoas.
Em lugar de prender, a cidade resolveu ajudar um grupo de jovens considerados de alto risco. Criou um programa de acompanhamento – com educação, desenvolvimento profissional, acompanhamento psicológico e suporte de saúde –, no qual os participantes foram incentivados a estabelecer objetivos de vida e encorajados a sonhar com um futuro diferente. Os participantes que permaneciam no programa depois de seis meses passavam a receber uma bolsa mensal de US$ 1 mil, durante nove meses.
O programa foi lançado em 2007 e teve já vários ciclos de bolsistas. Depois de sete anos, registrou-se uma queda de 76% nos homicídios e de 66% nos assaltos com armas de fogo.
DIADEMA (SP): modelo internacional
Entre 1995 e 1998, o número de homicídios no município paulista cresceu 49%. Em 1999, o problema continuou a se agravar: a média chegou a mais de um assassinato por dia. Diadema era um dos lugares mais perigosos do país. A partir de 2001, a prefeitura implantou um conjunto de ações, com foco na prevenção, que transformaram a cidade em modelo internacional de combate à criminalidade.
Uma das medidas adotadas foi proibir a abertura de bares entre as 23h e as 6h – 60% das mortes ocorriam nesses horários, nas imediações dos estabelecimentos. Como a maior parte dos perpetradores era formada por jovens de 16 a 30 anos, foram desenhadas políticas específicas para esse grupo, como o projeto Jovem Aprendiz. Adolescentes de 14 a 16 anos em situação de risco foram identificados em áreas assoladas pelo tráfico e passaram a contar com atividades de esporte, cultura, formação profissional, desenvolvimento da autoestima e inserção no mercado de trabalho. Também recebiam uma bolsa mensal. Em três anos, 4 mil adolescentes foram incluídos.
Outras ações abrangeram instalação de câmeras de segurança, formação de um conselho para engajar a população, melhoria da iluminação pública em áreas vulneráveis, urbanização de favelas, aumento no número de creches, treinamento profissional de adultos e aumento de 70% no efetivo da guarda municipal, o que permitiu a implantação de um modelo de patrulhamento comunitário. Uma campanha local de desarmamento levou ao recolhimento de 1,4 mil armas de fogo em nove meses.
MINAS GERAIS: presídio sem guarda
Desde 1997, Minas Gerais conta com um tipo de presídio sem guardas, que é gerido por voluntários e onde os apenados têm a chave do portão. Essas prisões funcionam por meio de uma parceria entre o Tribunal de Justiça, o MP, o governo do Estado e Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs), entidades formadas por voluntários engajados em auxiliar na recuperação dos criminosos, geralmente integrantes de instituições religiosas e ativistas de direitos humanos.
Em Minas, três dezenas de presídios seguem o modelo, abrangendo 2 mil internos. As unidades são geralmente cedidas pelo Estado ou por prefeituras. Por meio de um conselho, a Apac escolhe um voluntário para dirigir o presídio e contrata entre seis e oito funcionários para serviços administrativos – pagos pelo Estado, que também banca despesas de água, luz, telefone.
A disciplina é rígida. Em geral, as atividades vão das 7h às 21h. Não estender a cama ou deixar a cela suja são consideradas faltas. À medida que se repetem ou se agravam, o apenado pode ser excluído do projeto e transferido para um presídio comum. São obrigatórios o estudo e o trabalho. Parte dos presos atua como plantonista, ficando com as chaves de salas internas da porta que dá acesso à rua.
O grande trunfo do modelo é dar uma resposta à principal mazela do sistema penitenciário nacional: o fracasso em recuperar os condenados. Nas casas prisionais Apac, o índice de reincidência é inferior a 10%, contra 70% a 80% das prisões tradicionais.