Encarada com um misto de alívio e de esperança por parte da população, a chegada de pelo menos 150 agentes da Força Nacional ao Rio Grande do Sul, prevista para ocorrer a partir deste domingo, é considerada positiva, mas insuficiente por autoridades e especialistas. Embora concordem que o governador José Ivo Sartori agiu certo ao finalmente admitir a necessidade de pedir ajuda, a avaliação é de que será preciso mais para conter a onda de violência que assola o Estado.
O estopim para a reação foi o assassinato de Cristine Fagundes, 44 anos, no fim da tarde de quinta-feira. Ela foi morta a tiros na frente da filha adolescente, enquanto esperava o filho sair da escola, no bairro Higienópolis, em Porto Alegre. O crime causou comoção no Estado e desencadeou uma torrente de críticas ao governador.
Horas depois, o governo do Estado comunicou que o secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, havia pedido demissão do cargo e que seria criado um gabinete de crise, assim como a decisão de Sartori ir a Brasília em busca de socorro. Antes de embarcar, na manhã de sexta-feira, pela primeira vez o governador reconheceu que a situação da segurança pública no Estado "está muito difícil" e que o esforço na área "ainda não foi suficiente".
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Pedido de recursos para compra de equipamentos
Na capital federal, Sartori foi recebido pelo presidente interino Michel Temer, que autorizou o envio imediato de 150 integrantes da Força – criada em 2004 justamente para auxiliar Estados em momentos de emergência. A expectativa era de que os primeiros 120 agentes deixassem o Rio de Janeiro, onde atuavam na segurança dos Jogos Paraolímpicos, ainda na sexta-feira. Eles viriam em 30 viaturas.
O grupo ficará no Rio Grande do Sul por prazo indeterminado, disse Sartori:
– Será pelo tempo necessário.
O governador também solicitou recursos para a compra de equipamentos e viaturas e a construção de uma penitenciária federal no Estado. Além disso, está no radar a liberação de verbas para a reforma do Presídio Central. Mas tudo isso ainda depende de novas negociações.
– Será deslocado, numa primeira etapa, um contingente da Força Nacional para auxiliar a Brigada Militar em Porto Alegre ou na Região Metropolitana. Será a primeira etapa, depois virão outros momentos, sobre os quais vamos conversar – afirmou Sartori.
A intenção do governo estadual, inicialmente, era utilizar o reforço em presídios, liberando policiais militares para o policiamento ostensivo. No final da tarde, após reunião entre os comandos da Brigada e da Força Nacional, ficou decidido que os agentes atuarão nas ruas, na Operação Avante. A notícia era esperada havia meses. Em setembro de 2015, o prefeito da Capital, José Fortunati, já havia pedido a Sartori o apoio externo na segurança, mas o governador disse que não havia necessidade.
A decisão gerou críticas.
Em fevereiro, segundo levantamento do Instituto Index com 2 mil pessoas no Estado, 77,6% dos entrevistados disseram ser favoráveis ao uso da Força Nacional. A explicação para a reivindicação, na avaliação do sócio-diretor da entidade, Caco Arais, está nas demais respostas: nada menos do que 69,2% dos participantes declararam já ter sido assaltados e metade admitiu não confiar na Brigada Militar nem na Polícia Civil e 72,6% acreditavam que a violência iria aumentar em 12 meses.
– A pessoa pensa: estou com medo, estou sendo assaltada, não confio na polícia e a situação vai piorar. Então, ter mais soldados fardados na rua vai ajudar – conclui Arais.
A dúvida é até que ponto a ajuda emergencial terá, de fato, potencial para deter o avanço da criminalidade. Em Alagoas, a percepção foi positiva. O Estado contou, por cinco anos, com a presença das tropas federais em seu território, reforçando o policiamento ostensivo. Em fevereiro, ainda havia cerca de 150 agentes lá, quase nada diante do efetivo de 7,3 mil PMs. Mesmo assim, os índices de homicídios caíram. Parte do resultado, na avaliação do presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas, Antônio Carlos Gouveia, é atribuída à chegada da Força.
– Eles não podem fazer milagre, mas são estratégicos. Trazem experiência de atuação em áreas de conflito, em favelas, em presídios. São profissionais mais treinados e com vontade de servir – sintetiza Gouveia.
Recomposição do efetivo policial é necessária, afirma especialista
Ainda assim, a chegada das tropas não deve ser vista como solução mágica, segundo o ex-secretário nacional de Segurança Pública e consultor José Vicente da Silva Filho. Para ele, o envio de um reforço ao Rio Grande do Sul não terá efeito na redução da criminalidade "nem que viessem 500 policiais, o que é difícil", já que o efetivo atual da Brigada Militar passa de 19 mil – e o déficit de PMs chega a 18 mil.
– A Força Nacional não tem capacidade de gerar mudança. É um blefe que estão vendendo. Houve uma reestruturação das polícias em Alagoas, foi isso que fez a diferença – diz Silva Filho.
Coordenador do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS, Rodrigo de Azevedo avalia a convocação dos agentes muito mais como "uma tentativa de contentar a opinião pública".
– É um auxílio limitado, sim, mas pelo menos Sartori reconheceu que o momento é muito grave, e isso já é um avanço. Chegamos ao fundo do poço. Tudo o que o governo fez até agora não pode ser chamado de política de segurança pública, e isso precisa mudar – adverte Azevedo.
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Estado, Ricardo Breier também entende que a ajuda emergencial é bem-vinda, mas afirma que a população "está pagando o preço da omissão do governo". A exemplo de Azevedo, defende a necessidade de ações mais amplas.
– A Força Nacional é essencial para que o governo se reorganize. O Piratini já provou que não tem a menor condição de resolver sozinho. Até agora, vem fazendo uma gestão temerária. Para mudar isso, é fundamental que chame entidades para debater. A OAB se coloca à disposição – diz Breier.
A superação da crise, na avaliação de Azevedo, passa pela recomposição do efetivo da BM na medida do possível e pela recuperação da moral dos policiais, priorizando o pagamento dos salários em dia.