A prefeitura de Arroio dos Ratos, responsável pela fiscalização do Centro Novos Horizontes, informou que a condição do Centro Novos Horizontes (CNH), onde morreram sete pacientes em um incêndio, era regular. Conforme o prefeito José Carlos Garcia de Azeredo, a instituição tinha todas as licenças ambientais e sanitárias em dia e alvará dos bombeiros válido até 2017.
O lugar que deveria ser a esperança de um recomeço acabou sendo o fim da vida para os pacientes da clínica de tratamento para dependentes químicos. Eles morreram carbonizados e pela inalação de fumaça de um incêndio iniciado na madrugada desta quinta-feira no local, no interior de Arroio dos Ratos.
A última vistoria no estabelecimento, de caráter tributário, ocorreu em março. No fim de janeiro, a Vigilância Sanitária do município realizou a mais recente de suas inspeções anuais. Apesar de o encargo pela fiscalização ser do município, Azeredo procurou eximir a prefeitura de responsabilidade:
– Pegamos toda a parte de documentação e demos o alvará embasados nisso. O papel da prefeitura é dar a regularidade. Essa é uma entidade privada, sediada em Porto Alegre, com uma extensão aqui. Como não temos nenhum convênio com ela, não tínhamos ingerência lá dentro. Não é obrigação do município fazer isso (fiscalizar). Questão de tratamento é com especialistas da própria clínica. Não interferimos nisso.
Leia mais:
Incêndio mata sete internos em clínica de reabilitação
"Queria ter salvo meu irmão", diz monitor da casa que estava de folga
"Achei que fosse algum tipo de brincadeira", descreve interno após incêndio em Arroio dos Ratos
Todas as vítimas fatais do incêndio estavam confinadas em quartos chamados de centro de observação (CO). Semelhantes às celas do sistema prisional, os três espaços têm grades nas janelas e atrás da porta, trancados pelo lado de fora por cadeados. Ali os internos passavam o dia, com exceção de uma hora ou duas de permissão para banho de sol. Destinado ao período de desintoxicação, os quartos CO somavam capacidade para cerca de 12 pacientes.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, a Secretaria Estadual da Saúde tratou o estabelecimento como uma comunidade terapêutica – tipo de serviço que oferece atenção a viciados depois da desintoxicação, realizada em ambiente hospitalar ou clínica especializada. Nesse caso, a entidade estaria em conflito com a lei. Manter internos trancafiados contraria as regras do Ministério da Saúde sobre as comunidades terapêuticas.
Internação em comunidade terapêutica deve ser voluntária
A resolução 29, de agosto de 2011, diz que a permanência dos pacientes deve ser voluntária, garantida "a possibilidade de interromper o tratamento a qualquer momento". O artigo 15 é explícito: "Todas as portas dos ambientes de uso dos residentes devem ser instaladas com travamento simples, sem o uso de trancas ou chaves."
Matheus Leite Praça, coordenador técnico da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), entende que há elementos para suspeitar de que o Centro Novos Horizontes – não filiado à federação – estivesse operando de maneira irregular.
Nesta quinta-feira à tarde, o coordenador de Política de Saúde Mental do Estado, Luiz Coronel, reafirmou que a responsabilidade pela fiscalização é municipal. Ainda ressaltou que comunidades terapêuticas não são destinadas a pacientes intoxicados.
– Elas destinam-se a pessoas fora de crise, que já tenham feito a desintoxicação, motivadas para tratamento de longo prazo. É por adesão voluntária. A pessoa vai se quer. Não é seguro fazer desintoxicação nesses estabelecimentos, porque não têm condições médicas. Na crise, o tratamento deve ser em ambiente hospitalar. Frequentemente, (internos) estão agressivos, paranoicos. Têm de estar em ambiente projetado para isso.
Em seu site, o Centro Novos Horizontes afirma ter licença para realizar internações involuntárias, mas cita explicitamente sua unidade no Lami, em Porto Alegre, como capacitada a esse tipo de serviço. Não informa que o centro em Arroio dos Ratos também esteja a habilitado a fazê-lo. ZH tentou contato com a direção da entidade, mas não conseguiu. A Vigilância Sanitária de Arroio dos Ratos informou que vai averiguar nesta sexta-feira o tipo de licença concedido à instituição.
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde há no Rio Grande do Sul 10 comunidades conveniadas ao governo gaúcho e outras 54 à Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas, totalizando 1,2 mil vagas. Coronel diz que, além disso, há inúmeras instituições irregulares ou clandestinas, somando um contingente estimado em 7 mil pacientes. A Novos Horizontes, informou o coordenador, não consta dos cadastros:
– Essa entidade que se autointitula de recuperação de dependentes químicos não pertence a nenhum organismo e não está sujeita ao nosso controle.