Tenente-coronel da Brigada Militar, Adriano Klafke é um dos mais credenciados gaúchos para discorrer sobre atentados políticos. Fez capacitação de gestão antiterrorismo para grandes eventos esportivos ministrada pelo Departamento de Estado dos EUA, atuou na coordenação de segurança do Pan, em 2007, e foi coordenador de Planejamento de Segurança da candidatura do Rio à Olimpíada. Com base nesse conhecimento, elogia os preparativos para prevenir atos extremistas, mas alerta:
– Nenhum país está 100% preparado contra o terrorismo.
A constatação de Klafke foi confirmada na quinta-feira, a partir da ação da Polícia Federal (PF) contra simpatizantes do terrorismo.
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Como estão os preparativos antiterror, às vésperas da Olimpíada? O Brasil está preparado?
A preparação focada nos grandes eventos esportivos teve início antes dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007. Evidentemente, o cenário é outro, o risco se elevou, como comprovam as prisões feitas pela PF na quinta-feira, mas já há acúmulo de conhecimento, inclusive com a realização da Copa das Confederações 2013 e Copa do Mundo 2014. Esses eventos permitiram aperfeiçoar a cooperação internacional na área, avaliações de riscos, correções de vulnerabilidades, preparação de respostas para eventual neutralização. Mas ouvi declaração do Ministério da Justiça de que as chances de um atentado terrorista ocorrer no Brasil estão em zero por cento. Não existe risco zero. Por menores que sejam as vulnerabilidades e por mais controladas e neutralizadas as ameaças, sempre haverá risco residual. Ocorre que o Brasil em si não deve ser alvo. Mas há o terrorismo importado, com os alvos óbvios de outros países em nosso território. E não temos experiência real na área.
Como funciona essa preparação?
As pessoas normalmente pensam em enfrentamento ao terrorismo como "operações especiais" para responder a um ataque. Sei que isso rende imagens melhores. Mas, se for necessário responder a um ataque, o contraterror, falhou a prevenção, o antiterror, e provavelmente já terão ocorrido danos, especialmente humanos... O antiterror fica a cargo da Polícia Federal, a prevenção. O contraterror, a resposta, por conta das Forças Armadas. São duas linhas necessárias: corrigir vulnerabilidades e neutralizar ameaças. A inteligência trata de detectar ameaças, para neutralização. Mas não será 100% resultante. Forças Especiais podem ser ferramentas de prevenção quando a inteligência detecta cogitações, a intenção, e a preparação, busca de capacidade, permitindo prevenção ativa, pela neutralização de um indivíduo ou de um grupo ou organização terrorista.
Como o senhor enxerga o que aconteceu em Nice, quando uma pessoa usou um caminhão para matar dezenas?
Uma massa humana concentrada num festejo simbólico teria boa probabilidade de ataque, de diversas formas. Não seria muito difícil imaginar um ataque assim. Consta, inclusive, em manuais de grandes eventos. Os franceses deram mole. Se facilitarem aqui, poderemos sofrer consequências. Atentado desse tipo pode ser prevenido com barreiras tipo contêineres cheios de areia, outras barreiras que são preenchidas com água – excelentes antibombas – ou mesmo estacionando tombadeiras carregadas com areia, eficazes inclusive contra carros-bomba.
Os chamados lobos solitários, não ligados organicamente a grupos terroristas, são a pior ameaça? Por quê?
Para os casos de indivíduos chamados lobos solitários, que agem sem compartilhar ou se comunicar com outros, as chances de detecção pela inteligência caem muito. Eles não se comunicam, não trocam mensagens, não expõem de qualquer forma suas intenções. E, principalmente, se utilizarem meios, em princípio, insuspeitos, como no caso do caminhão. A possibilidade de rastrear aquisições de insumos e precursores, tais como para preparação de artefatos explosivos, inclusive com eventuais agentes químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares, detectar a preparação, será bem mais difícil. Considerando que os lobos solitários podem não ter conexão com outros terroristas, mas apenas simpatia por alguma causa, juntamente com distúrbios pessoais de qualquer ordem, podem surgir de locais e forma absolutamente inesperados – falando sobre detecção. O ponto nevrálgico sempre será, no caso específico dos locais de competição, o controle de acesso e a correção de vulnerabilidades que podem ser exploradas por terroristas. Os locais de concentração de pessoas nas ruas são alvos mais fáceis, vulneráveis.
O Brasil, desde o início da ditadura militar, não teve terrorismo (foram debeladas organizações guerrilheiras à época). Não é odiado por militantes, mundo afora. Mesmo assim, corre risco?
Sim. Não propriamente o Brasil, cujo risco tende a ser ínfimo. Mas há o chamado terrorismo importado, ou seja, o risco de que alvos efetivos do terror, como as delegações estrangeiras dos países mais visados, sofram ataques em nosso território.
Os atletas de EUA, França, Reino Unido e Israel, delegações bastante visadas pelo terror, poderão sair pelo Rio, a passeio? Ou isso foi desaconselhado?
Não conheço as orientações repassadas às delegações. Em regra, as atividades em grupo, mesmo as de lazer, são cobertas por avaliações e por segurança. Embora não seja razoável descartar esse risco, a maior probabilidade está vinculada aos locais de maior visibilidade, simbólicos e de maior interesse e cobertura na mídia.
O Brasil já investigou mais de 400 mil e detectou indivíduos com suspeita de ligação com terrorismo. Essa detecção mostra competência?
Sim, mostra competência na inteligência, inclusive em cooperação internacional. Para que se possa prevenir ações terroristas, além da busca permanente de detecção de atividade, são implementados recursos, como a de efetivos policiais e das Forças Armadas, para controle de acesso, vigilância, tecnologias que auxiliam inspeções de volumes, detectores de isótopos radioativos, barreiras contra intrusão de veículos, inclusive barreiras para desviar e absorver impactos de explosivos, etc. Em resumo, há um longo processo, com ênfase em grandes eventos esportivos no Brasil, que permitiu um bom acúmulo de conhecimento para avaliar riscos, detectar e neutralizar, em prevenção ativa, antecipadamente, alguma preparação terrorista, montar esquema de segurança efetivo para prevenção e controle, empregar tecnologias modernas, preparar forças de resposta e, se necessário, reduzir danos. A melhor estratégia é estar preparado para o pior, na expectativa que ocorra o melhor. Esperamos que toda essa mobilização necessária de forças, ao fim, não seja acionada para responder.