Em 1952, George Jorgensen, soldado nascido em Nova York, foi submetido a um tratamento cirúrgico e hormonal na Dinamarca para se tornar Christine Jorgensen, que se apresentava em clubes noturnos e defendia os direitos de identidade de gênero. Desde então, profissionais de saúde e leigos debatem as origens dessa questão, se é sábio alterar o sexo biologicamente determinado e se a sociedade deve aceitar a comunidade transgênero como um fato da natureza.
Há até mesmo desacordo em relação à proteção do Ato dos Direitos Civis de 1964 – que proíbe discriminação por causa do sexo –, à identidade de gênero, o modo como uma pessoa, homem ou mulher, se sente internamente. Muito mais transgêneros, cuja identidade não coincide com seu sexo biológico, se revelaram nos últimos anos. Alguns procuram tratamento de mudança de sexo. O medalhista de ouro olímpico Bruce Jenner anunciou, no ano passado, com alarde, sua transição para Caitlyn Jenner, incluindo uma matéria de capa na revista Vanity Fair.
No entanto, a controvérsia sobre os direitos de estudantes transgêneros de utilizarem banheiros e vestiários que coincidam com sua identidade de gênero, ao invés de seu sexo, reflete a persistência do preconceito e da desinformação sobre a natureza e o comportamento das pessoas que se identificam dessa forma.
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Aqueles que insistem que as pessoas devem usar apenas as instalações que coincidam com o sexo que consta em suas certidões de nascimento podem não perceber que a maioria dos estados permite que quem altera sua atribuição sexual faça o mesmo na certidão de nascimento. Além disso, um indivíduo transgênero que utiliza o banheiro correspondente à sua identidade de gênero é uma ameaça sexual tão grande quanto qualquer outra pessoa que use as mesmas dependências. O desconforto psicossocial ou o constrangimento podem ser simplesmente evitados com a existência de toaletes e vestiários com portas em banheiros públicos.
Recentemente li um artigo muito esclarecedor,"Care of Transsexual Persons" (Cuidados com Pessoas Transexuais), que respondeu muitas perguntas e preocupações levantadas sobre aqueles que hoje são normalmente chamados de transgênero. Escrito pelo Dr. Louis J. Gooren, endocrinologista no Centro Médico Universitário VU, em Amsterdã, e um dos maiores especialistas da área, foi publicado em 2011 no New England Journal of Medicine.
Talvez o aspecto mais importante que Gooren e outros mostrem é que a incompatibilidade entre identidade de gênero e sexo biológico não é coisa que as pessoas escolhem. A descrição mais comum dada por indivíduos transgêneros é a crença persistente e dolorosamente angustiante de que são mulheres presas em um corpo masculino, ou vice-versa.
Apesar do fato de que ser transgênero é classificado na literatura psiquiátrica como "transtorno de identidade sexual", Gooren ressaltou: –Uma parte substancial da população trans não apresenta nenhuma condição clínica psiquiátrica coexistente significativa além do sofrimento crônico gerado pelo sentimento de não serem o que seus corpos dizem que são.
Nenhuma causa cromossômica ou hormonal foi identificada. Também não há prova convincente de que o fato é causado por uma aberração na dinâmica familiar – como a criança é tratada ou vestida por sua mãe, seu pai ou qualquer outra pessoa.
Ser transgênero simplesmente acontece, possivelmente no útero. Todo cérebro começa feminino; se o feto for masculino, a testosterona normalmente programa o desenvolvimento masculino nos órgãos genitais e no cérebro – mas autópsias em um pequeno número de transgêneros que nasceram homem e se transformaram em mulher mostraram que duas importantes áreas cerebrais tinham um padrão típico feminino, sugerindo uma alteração na diferenciação sexual no cérebro.
Nos indivíduos cuja transição foi de mulher para homem, é possível que a produção de andrógenos em excesso durante a gravidez possa ter programado o cérebro para ser masculino.
Entre os adultos, as transições de homem para mulher são quase três vezes mais comuns do que o oposto. Não é raro que indivíduos nascidos homens manifestem sua identidade de gênero feminino na meia-idade, muitas vezes depois de terem sido casados e pais de filhos.
Nas crianças pequenas, as meninas masculinizadas e os meninos que agem mais como meninas são bastante comuns e não devem ser vistos como transgêneros, pois esse tipo de comportamento muitas vezes muda na adolescência.
No entanto, quando alterações corporais na puberdade diferem de identidade de gênero de uma criança, normalmente são uma fonte de angústia extrema. Mesmo assim, os especialistas advertem que, em qualquer idade, e especialmente na adolescência, é preciso muita cautela antes que tratamentos irreversíveis sejam feitos.
"Pessoas com transtorno de identidade sexual podem ter expectativas irreais sobre o que implica ser um membro do sexo oposto", escreveu Gooren. Portanto, ele e outros dizem que antes de iniciar tratamentos hormonais, a pessoa deve viver pelo menos um ano como o gênero desejado.
A mudança de sexo cirúrgica pode vir a seguir, para remover e reconstruir os órgãos genitais, seios e órgãos sexuais internos, para que se assemelhem ao sexo desejado. Algumas pessoas também passam por uma reconstrução facial. Mesmo depois da cirurgia, tratamentos hormonais devem continuar indefinidamente para manter as características do gênero desejado.
É especialmente importante para o indivíduo transgênero que procura tratamento conhecer os riscos envolvidos. Foram realizados estudos de longo prazo com pessoas que se submeteram à cirurgia de mudança de sexo na Suécia e na Dinamarca, onde há registros médicos excelentes de toda essa população.
Uma equipe sueca do Instituto Karolinska e da Universidade de Gothenberg seguiu 324 pessoas que passaram por esse tipo de cirurgia e as comparou com controles equivalentes na população em geral. Após acompanhá-los em média por 11,4 anos, homens e mulheres que mudaram de sexo tinham taxas de mortalidade – por todas as causas – três vezes maiores. As taxas de suicídio eram especialmente altas, sugerindo "a necessidade de acompanhamento psiquiátrico continuado" entre aqueles em fase de mudança de sexo, escreveram os autores. Mortes por câncer dobraram no grupo cirúrgico, embora isso não pareça ter relação com os tratamentos hormonais.
O recente estudo dinamarquês, feito por pesquisadores em Copenhague, investigou doenças e mortes pós-operatórias entre 104 homens e mulheres que representam 98 por cento das pessoas que se submeteram à cirurgia de mudança de sexo na Dinamarca entre 1978 e 2010. Uma pessoa em três havia desenvolvido algum tipo de problema, mais frequentemente doença cardiovascular, e uma em cada 10 havia morrido, mortes essas ocorridas, em média, aos 53,5 anos.
Os autores sugerem que uma série de fatores sociais, incluindo exclusão social, assédio e experiências negativas na escola e no trabalho, podem, em grande parte, ter contribuído para os problemas de saúde dos pacientes. As conclusões destacam a importância de um suporte melhor no pós-operatório e mais atenção a fatores como tabagismo e abuso de álcool.