Dois anos após ganhar as ruas para desbaratar um esquema aparentemente banal de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, a Operação Lava-Jato chega a um patamar inédito na história do país. Ao pedir a prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), do senador Romero Jucá (RR) e do ex-presidente José Sarney (AP), todos do PMDB, a investigação testa seus próprios limites ao tentar assentar novas bases no tratamento que o Supremo Tribunal Federal (STF) confere a políticos poderosos suspeitos de corrupção e obstrução da Justiça. O pedido está nas mãos do ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato, e será submetido ao plenário da Corte. Não há prazo para a deliberação.
Para além do abalo sísmico provocado no Congresso, a ação da Procuradoria-Geral da República causou inquietude no meio jurídico sobre os fundamentos da solicitação feita pelo procurador-geral, Rodrigo Janot. Como os processos tramitam sob o mais alto grau de sigilo no STF, juristas suspeitam de que, para justificar um pedido de tamanha envergadura, o procurador tenha indícios mais robustos do que as gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Embora a legalidade dos áudios ainda desperte alguma controvérsia, há vasta jurisprudência no STF atestando a licitude de uma conversa gravada pelo próprio interlocutor – no caso, Machado. O que suscita dúvidas é se apenas o teor dos diálogos seria suficiente para se decretar o encarceramento.
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– Prisão preventiva é exceção à regra. É preciso um crime com pena de reclusão e risco real à investigação criminal. Imagina-se que o procurador-geral tenha elementos severos para encaminhar um pedido dessa natureza – comenta o desembargador Ingo Sarlet, integrante da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Nos trechos de conversas já conhecidos, Renan, Jucá e Sarney surgem tramando o que parece ser uma conspiração para frear a Lava-Jato. Renan fala em restringir a lei da delação premiada, Jucá diz ser necessário "estancar a sangria" da investigação e Sarney cita interlocutores capazes de influenciar as decisões de Teori. Apesar da expectativa pela apresentação de novas provas, Sarlet pondera que, em tese, algumas gravações já soam como tentativa de obstrução da Justiça, mesmo que descoladas de outros fatos. Para ele, a atuação de Sarney seria um exemplo.
– Ela pode ser entendida como uma tentativa de, no mínimo, interferência junto ao juiz da causa. Seria um critério a ser avaliado como motivo para uma eventual prisão preventiva – afirma o desembargador.
Há outra linha jurídica segundo a qual, para configurar crime, tais afirmações precisam ser seguidas de atos concretos – algo que até agora não veio a público. Daí surgem as especulações de que Machado tenha entregue a Janot, além do grampo, provas cabais do envolvimento do trio com os desvios na Petrobras.
– Para fazer um pedido de prisão, com esses alvos, ele deve ter uma bomba atômica na mão – cogita Eduardo Carrion, professor de Direito Constitucional da UFRGS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público.
Na delação, o ex-presidente da Transpetro diz ter repassado R$ 70 milhões a Calheiros, Jucá e Sarney. Ele ainda se prontificou a devolver à União R$ 100 milhões oriundos de corrupção. O filho de Machado, que também assinou acordo de colaboração premiada, é gestor de um fundo de investimentos no Exterior pelo qual teriam passado R$ 700 milhões. Nesse panorama, crescem as suspeitas de que Machado tenha mostrado a Janot o caminho da propina paga à cúpula do PMDB.
– Teríamos então um eventual crime de corrupção, com o grampo mostrando a tentativa de se obstaculizar a Justiça. Isso tudo justificaria uma prisão preventiva – avalia Marcelo Peruchin, professor de Direito Penal da PUCRS.
O pedido de prisão de Cunha é o único que não tem relação com as gravações de Machado. Para Janot, mesmo com o mandato suspenso, o deputado continua interferindo no comando da Câmara e no julgamento do próprio processo de cassação no Conselho de Ética. Nos casos de Cunha e Renan, a decisão de Teori precisa ser chancelada pelo plenário do STF, pois envolve os presidentes do Senado e da Câmara. Já Jucá e Sarney estão submetidos à Segunda Turma da Corte, na qual tramita a Lava-Jato. Contudo, dadas a gravidade da situação e a relevância dos protagonistas, é provável que todos os casos sejam apreciados pelos 11 ministros.