Sonhado por meio século pelos moradores do Extremo Sul da Capital, o Hospital da Restinga completa dois anos hoje enfrentando um dilema. Se, por um lado, o centro de saúde proporcionou 134 mil atendimentos de emergência e 4,8 mil de internação, ainda falta estrutura para os pacientes mais graves.
Sem a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) prevista, na época da inauguração, para começar a operar em até seis meses, o hospital faz malabarismos para atender aos casos mais complexos. Ao mesmo tempo em que tenta transferência para leitos de outros hospitais, oferece tratamento a pacientes graves em uma estrutura que não é a mesma de uma UTI.
Leia outras notícias do dia
Atualmente, pelo menos cinco pacientes que deveriam estar em uma UTI estão internados na unidade de internação, equipada para atender a casos nem tão complexos. A mãe da auxiliar de lavanderia Jussiara Silva, 47 anos, é um deles. Ela sofreu um AVC hemorrágico e está há 13 dias em uma sala de internação. Aos 85 anos, Elci precisaria fazer diálise, um procedimento que limpa e filtra o sangue quando o rim doente não pode fazer essa função, recurso disponível em leito de UTI.
– O atendimento aqui é maravilhoso, os médicos são ótimos, tenho confiança neles. Mas ela deveria estar em uma UTI – afirma Jussiara, que visita a mãe todos os dias.
São pacientes com patologias como AVC, infarto, tuberculose, HIV e doenças respiratórias, cada vez mais comuns no Hospital da Restinga, que demandam atendimento específico de UTI. A gerente médica do hospital, Gisele Nader, conta que há dificuldade em conseguir transferência para outros hospitais, principalmente desde este mês, quando a demanda de doenças respiratórias aumentou devido ao frio. Em junho, apenas seis transferências foram efetivadas, enquanto a necessidade é bem superior. Quase todos os dias é feita uma solicitação de transferência para leito de UTI, que tem como principal destino o Hospital Vila Nova.
Obra garantida. Funcionamento, não
A UTI prevista para o Hospital da Restinga, que já era para estar funcionando há um ano e meio, terá dez leitos. Segundo o gerente-geral do hospital Luis Eduardo Ramos Mariath, a construção terá início ainda na primeira quinzena de julho. Serão R$ 7 milhões investidos na estrutura física e em equipamentos, com recursos que já estão garantidos.
Isso, no entanto, não garante a abertura da UTI. Por serem leitos do Sus, é preciso pactuar o custo mensal para o funcionamento da unidade com município, Estado e Ministério da Saúde. Os projetos com definição de perfil, demanda, necessidade técnica e custo da estrutura já estão sendo feitos para enviar as partes envolvidas. Porém, a crise financeira que afeta o Estado e a União impede que a direção do hospital faça qualquer promessa de abertura da UTI.
Leia mais
Hospital da Restinga precisa de doações de sangue: saiba como ajudar
Hospital da Restinga enfrenta desafios para funcionar 100%
Mesmo reconhecendo a gravidade da situação, o secretário municipal de saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter, é realista ao comentar que não há perspectiva de aberturas de leitos nesse momento:
– Não está sendo habilitado nenhum leito porque não tem recurso para bancar, nem do Estado e nem do governo federal. Podemos até credenciá-los, mas não terão como pagar.
Sem recursos para abrir mais serviços
Sem a abertura da UTI, o Centro Cirúrgico também fica para trás. A direção explica que não seria possível fazer cirurgias de média e alta complexidade sem o hospital dispor de uma UTI. O centro terá quatro salas para cirurgias que estão praticamente equipadas. Sem previsão de abrir, os aparelhos ainda estão encaixotados.
O principal avanço desde a inauguração do hospital foi a inauguração do centro de especialidades. Aberto em dezembro, funciona com dois dos 20 consultórios que deverá ter. Desde então já foram realizados 1.771 atendimentos de medicina interna e infectologia. Estudos apontam a necessidade de abertura das especialidades em gastroenterologia, cardiologia e urologia.
O hospital possui 62 leitos de internação adulto e pediátrico e 25 leitos de emergência, que também estão com lotação no limite. O hospital estima que a ocupação varia entre 85% e 95%. Na tentativa de desafogar principalmente os leitos de emergência, o gerente-geral adianta que está sendo negociada a ampliação de mais 39 leitos de internação.
Maternidade distante
Em meio à urgência da implantação da UTI, a maternidade, tão esperada pela comunidade local e também prometida para entrar em funcionamento seis meses após a inauguração do hospital, ficou em segundo plano. A demanda, porém, não deixou de existir. A prova disso é que a cada dez dias, uma mãe dá à luz na emergência do hospital – uma situação de improviso, pois não há ginecologista e estrutura adequada para fazer o parto.
A gerente médica Gisele Nader frisa que a situação não é recomendável porque não há estrutura para acolher a mãe e o bebê no pós-parto. O procedimento só é feito na emergência em último caso. Caso contrário, a mãe é encaminhada por uma ambulância do Samu para outra instituição.
Prestes a ganharem seus primeiros filhos, a vigia Patricia Rodrigues Vargas, 31 anos, da Restinga, e a dona de casa Lidia Natiane Oliveira de Freitas, 19 anos, do Lami, procuraram o hospital em momentos diferentes da gravidez e precisaram recorrer a outras instituições. Com sete meses de gravidez, Patricia sentiu fortes contrações, foi até o Hospital da Restinga, a cinco minutos de casa, e não conseguiu ser atendida.
– Disseram que não poderiam me ajudar, chamaram o Samu e eu fui para o Hospital da Puc. A maternidade é algo que realmente faz falta, no carro a gente vai balançando por uma hora até chegar no hospital.
Lidia enfrentou uma situação semelhante. Ela teve um sangramento quando estava com 13 semanas de gravidez, foi ao hospital e, por não haver ginecologista no local, foi orientada a procurar o Fêmina, a 23km dali. Maria Marta nascerá até o dia 5 de julho no Hospital São Lucas da Puc, a 31km de casa e a uma hora de carro.
– A gente depende da amizade, conseguimos um carro emprestado – conta Lidia.
Leia mais
Doação de medula óssea é tema de campanha promovida pelo Hospital Moinhos de Vento
Empresas retiraram mais de 14 mil toneladas de sódio de alimentos desde 2011
O bebê de Patricia deve nascer até 29 julho. Sem carro, a futura mãe não descarta chamar a Brigada Militar se sentir as dores do parto quando os vizinhos estiverem trabalhando.
Com 39 semanas de gravidez, a supervisora Leticia de Cássia de Oliveira, 34 anos, também não tem condução própria.
– Se for rápido, chego em 40 minutos na maternidade, mas dependendo do horário é muito mais tempo e a gente não sabe o que pode acontecer no caminho.