Cobrado por alunos a apresentar melhorias na infraestrutura das escolas, o governo estadual avalia adotar parcerias público-privadas (PPPs) para alavancar os investimentos em educação. Com potencial para gerar polêmica na política gaúcha, a proposta é discutida em caráter embrionário desde o ano passado, incluindo reuniões com técnicos do Banco Mundial. A perspectiva é de dar andamento às intenções em 2017. O núcleo do Palácio Piratini responsável por estudar concessões à iniciativa privada já levou a ideia à Secretaria da Educação.
No Rio Grande do Sul, o governo de José Ivo Sartori estuda lançar editais que prevejam a construção de escolas novas. Os investidores aplicariam seu dinheiro em obras e, depois, seriam responsáveis pela manutenção predial por tempo a ser definido em contrato. O Estado faria pagamentos ao longo de duas ou três décadas para compensar gastos e remunerar o ente privado.
– Tu delegas a construção e a manutenção de prédios de educação à iniciativa privada. A gestão toda é feita pela Secretaria da Educação, mas o prédio em si é construído e mantido por 25 ou 30 anos por meio de PPP. Aquele dinheiro que tu mandarias para a Secretaria da Educação manter a escola, tu mandas para a concessionária. Paga no longo prazo – explica Cristiano Tatsch, secretário estadual do Planejamento.
Ele destaca que “existem muitas experiências” na área consideradas de sucesso. Meses atrás, Tatsch recebeu uma comitiva inglesa que veio falar de iniciativas semelhantes na Europa. Emissários do Piratini também estiveram em Belo Horizonte para conhecer detalhes do programa da prefeitura local, que construiu 51 escolas desde 2012 a partir de investimentos privados. Na capital mineira, as prerrogativas pedagógicas foram mantidas com o poder público.
Técnicos do governo gaúcho saíram de Minas Gerais com a informação de que houve resistência no princípio, mas que, atualmente, os professores preferem as escolas erguidas pelas PPPs por terem estrutura melhor. Contatos ainda foram feitos pelo Piratini com o Banco Mundial, apontado como um entusiasta de projetos voltados à educação. O papel da instituição seria oferecer ao Estado os serviços da Corporação Financeira Internacional (IFC), braço do Banco Mundial que ajuda na formatação das modelagens de PPPs e concessões.
– Temos boa chance de avançar. Ainda não temos mapeado o número de escolas que poderiam ser envolvidas, estamos trabalhando nisso com a Secretaria da Educação – explica Tatsch.
O projeto ainda está sendo montado. Além de definir cidades e quantidades, o governo estadual espera finalizar a parceria com o Banco Mundial, que deverá indicar uma consultoria para a formulação dos editais e contratos. Os passos seguintes somente serão dados depois dessa aproximação. Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual da Educação afirmou estar alheia às discussões e que os temas relacionados às parcerias são tratados pela pasta do Planejamento.
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Especialistas avaliam que ambiente ajuda, mas qualificação dos educadores é fundamental
Pesquisadores da área da educação ouvidos por ZH entendem que parcerias público-privadas (PPPs) como as avaliadas pelo Palácio Piratini, destinadas à construção de novas escolas, podem trazer contribuições para o sistema. Apontam o salto em infraestrutura e ressaltam que países como Estados Unidos criaram a cultura de que a comunidade e o empresariado devem se envolver com a qualificação do ensino. No Brasil, ao contrário, ainda é forte a crença de que isso deve ser tarefa exclusiva do Estado. Embora vejam a iniciativa com bons olhos, especialistas atentam para a necessidade de serem criados mecanismos de fiscalização para evitar negligência ou abandono de prerrogativas.
– Esse tipo de acerto é bem-vindo desde que haja normatização muito bem estabelecida para sabermos quais são os papéis do poder público e da iniciativa privada – diz Fernando Becker, doutor em psicologia escolar e professor da UFRGS.
Uma das avaliações é de que o projeto poderia melhorar o ambiente escolar, substituindo estruturas hoje degradadas. O alerta é de que não basta ter prédios novos. O trabalho e a qualificação dos educadores continuam sendo fundamentais em qualquer situação, entendem.
– Ter ambiente adequado faz a pessoa se sentir mais à vontade, com ideia de pertencimento. Mas não se pode colocar tudo na conta do espaço físico. Há professores que conseguem fazer trabalhos legais mesmo em más condições – comenta Bettina Steren dos Santos, doutora em psicologia evolutiva e da educação e decana associada da Escola de Humanidades da PUC-RS.
Para Becker, o papel do investidor privado precisa ter limitações, atrelado à questão da infraestrutura. A área pedagógica deve continuar recebendo as diretrizes da Secretaria da Educação, com execução diária sob responsabilidade das direções escolares e dos professores.
– Cada vez mais, as empresas estão fazendo esse tipo de ação. Elas têm certa obrigação de ajudar na formação das pessoas – opina Bettina.
O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) é contra a proposta. Entende que as PPPs na educação são um complemento ao Projeto de Lei 44, que tramita na Assembleia e autoriza entidades privadas sem fins lucrativos a exercerem atividades públicas em áreas como ensino, saúde, cultura e preservação do ambiente.
– Temos posição muito clara sobre tudo o que vier de privatização da escola: somos contrários – diz Helenir Schürer, presidente do Cpers.