Quando as suas filhas brigavam, o empresário Marcelo Odebrecht perguntava quem tinha provocado, não necessariamente para punir quem levou ao desentendimento.
– Eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com quem fez o fato – disse ele, em setembro do ano passado, em depoimento à CPI da Petrobrás.
A historinha foi usada para explicar como enxergava o acordo de colaboração na Operação Lava-Jato. Prestes a completar um ano de prisão, em 19 de junho, o executivo está assinando um acordo de delação premiada. Mais do que aliviar a própria pena, o empresário busca salvar o grupo que carrega o seu sobrenome.
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A reputação arranhada, somada ao ambiente adverso – com recessão, alta do dólar e crises profundas em alguns dos setores em que o grupo atua –, "está fazendo a empresa sangrar", como definem executivos próximos à Odebrecht.
O balanço consolidado de 2015, previsto para sair nos próximos dias – com mais de um mês de atraso –, dará uma imagem parcial, pois a situação piorou nos últimos seis meses e ainda não há resultados oficiais do período recente.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a dívida bruta da companhia foi de R$ 88 bilhões em 2014 para R$ 110 bilhões, alta de 25%, efeito do dólar e dos juros, mas também da imposição de taxas maiores para sua rolagem. A empresa renegocia mais de R$ 25 bilhões em dívidas de empresas do setor agroindustrial e de óleo e gás. Um laudo interno de avaliação dos ativos, feito regularmente para balizar o programa de bônus, pode trazer um cenário mais desagradável. Os próprios executivos acreditam que vai mostrar que o valor do grupo caiu à metade.
Conhecido pela baixa rotatividade e pela fidelidade da equipe, o grupo demitiu mais de 50 mil funcionários, reduzindo o contingente em quase um terço. A equipe voltou a ter praticamente o mesmo tamanho que seis anos atrás: 120 mil trabalhadores. Os cortes não ocorreram pelo ciclo natural de desmobilização de trabalhadores, com a conclusão de obras, mas por falta de novos contratos e até recursos para tocar projetos em andamento. As obras da BR- 163, em Mato Grosso, são exemplo disso: estão quase paralisadas.
O balanço ainda vai retratar o que o grupo poderá perder com a Lava Jato. O Ministério Público Federal cobra R$ 7,3 bilhões, que seria o potencial de multa em um acordo de leniência. A empresa contesta o valor.
Quem convive com a Odebrecht garante que a insistência em não admitir o envolvimento em esquemas de corrupção fez o grupo atrair desconfianças e acumular perdas, sobretudo porque outras empresas acusadas dos mesmos crimes preferiram o caminho inverso e colaboraram.
– As construtoras se adaptaram à Lei Anticorrupção, decidiram que só participam de certames limpos: é a direção a seguir – diz Ordélio Azevedo Sette, do escritório Azevedo Sette.
A área mais afetada foi o crédito. Em agosto de 2015, os bancos começaram a travar liberações, o que exigiu que o grupo utilizasse recursos próprios para girar o negócio. Executivos próximos às negociações com credores estimam que deixaram de entrar cerca de R$ 40 bilhões em créditos, no Brasil e no exterior.
O grupo não confirma o valor, mas em nota disse que a Odebrecht Engenharia e Construção vive dias complicados: "O mercado de crédito mais restrito e a questão reputacional – que leva a um escrutínio maior e mais demorado por parte dos credores – são os principais responsáveis por essa situação. A empresa está comprometida em alcançar uma solução para suas questões reputacionais e espera com isso melhorar o ambiente de crédito".
Uma das instituições que fecharam a torneira foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Odebrecht TransPort, empresa que opera concessões, aguarda receber R$ 5,2 bilhões em financiamentos de longo prazo do banco. No Exterior, há demora na liberação de US$ 2 bilhões para as obras do gasoduto Sur Peruano, e a Odebrecht procura vender a sua parte nesse projeto.
Além disso, a empresa tem dificuldades para fechar as contas na Agroindustrial onde teve um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão em 2015 e renegocia uma dívida de R$ 13 bilhões. Outra empresa problemática é a de óleo e gás, que renegocia contratos de navios-sonda com a Petrobras.
Fôlego
Duas peculiaridades deram fôlego para o grupo: a atuação em 21 países e a diversificação em 15 áreas de negócios. Cerca de 61% das receitas vêm do Exterior. Dois negócios resistiram ao turbilhão: a petroquímica Braskem e Odebrecht Ambiental, de saneamento. Eles compensaram as perdas e fizeram a receita ir de R$ 107 bilhões em 2014 para R$ 132 bilhões em 2015.
Na avaliação de Sergio Lazzarini, professor do Insper, a delação de Marcelo Odebrecht tende a ter outro simbolismo: marcar a derrocada do modelo de negócio baseado na troca de favores entre Estado e empresas.
– O modelo é insustentável: o dinheiro do Estado acabou, e agora os empresários passaram a ter medo – define Lazzarini.
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