A crise na economia brasileira, que tem no desemprego a sua face mais cruel, está abatendo o sonho da casa própria de muitos brasileiros: atrasos nas prestações estão provocando a perda dos imóveis. O termômetro do fenômeno é a Caixa Federal, que responde por cerca de 70% do crédito imobiliário do país. O número de imóveis retomados pela instituição e levados à venda passou de 8.541, em 2014, para 13.137 no ano passado em todo o Brasil, um aumento de 53,8%. Em 2010, esse número foi de 6.798, quase a metade na comparação com o ano passado. A Caixa não divulga números relativos ao Rio Grande do Sul.
– E isso (a perda do imóvel) ocorre mesmo. É o atual sistema de financiamento por alienação fiduciária, como existe com a compra de carros. Se não pagar, o morador pode perder o imóvel muito rápido, sem interferência do Judiciário – alerta a advogada e presidente da Associação Gaúcha dos Advogados do Direito Imobiliário Empresarial, Jaqueline Hamester Dick.
Corra ao banco!
Mas Jaqueline pondera que, por causa desse sistema, as instituições financeiras se sentiram seguras para ampliar a oferta de crédito para o sonho de muitas famílias. Seria a consequência positiva da regra dura.
A retomada ocorre sem necessidade de ação judicial, diferentemente do que acontece no sistema de hipoteca, quando o morador só perdia o imóvel ao final de um longo processo. Agora, quem ficar inadimplente e não procurar uma negociação, pode perder a propriedade em poucos meses.
– O agente financiador notifica as pendências. Depois, não há o que impeça esse processo. A saída é o morador procurar o banco o quanto antes e negociar – afirma o advogado Gabriel Faller, especialista em Direito Imobiliário.
A Justiça poderá ser acionada somente em um momento, talvez o mais doloroso: quando for necessário retirar a família do imóvel. Neste caso, a instituição ou o novo proprietário podem entrar com uma ação de reintegração ou de emissão de posse.
– A pessoa não perderá sua casa por dívidas, por exemplo, de cartão de crédito. Mas não pagar as prestações é uma das exceções. Havendo a inadimplência, o morador deve procurar a instituição financeira – diz a defensora pública Luciana Artus Schneider, dirigente do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudeam).
Alerta
Diretor da Associação dos Mutuários e Moradores das Regiões Sul e Sudeste (AMMRS), Anderson Machado reforça o alerta. Para complicar ainda mais a situação, segundo ele, há poucas esperanças de devolução de dinheiro ao morador.
– Raramente algum valor pago retorna para o mutuário porque a instituição acaba cobrando os custos desse processo de leilão e venda – ressalta Anderson.
A prestação está pesada demais
Uma moradora de Alvorada, casada, com dois filhos adolescentes, está há nove meses pagando o financiamento feito junto à Caixa.
Mas pagar em dia, até a data de vencimento, não é mais possível, o que traz à família o medo da inadimplência. Antes em dois empregos, agora ela trabalha em apenas um turno. A renda familiar, somando o salário do marido, ficou em cerca de R$ 3 mil. Somente a prestação da casa é de R$ 705.
– Agora, o que acontece é que pagamos a prestação do mês com o salário do seguinte. Tem um atraso, juros, mas é a solução. Eles roubam lá em Brasília e é a gente que paga por isso aqui – diz, indignada, a trabalhadora de 45 anos, que pediu para não ter o nome divulgado.
Sacrifício
Para ela, mesmo com sacrifício, cada centavo pago vale a pena. Trata-se do patrimônio que o casal pretende deixar para os filhos no futuro, talvez o único de uma vida inteira de trabalho.
– Foi uma compra muito pensada, tudo estava dentro do que podíamos pagar. Era a hora, depois de dez anos pagando aluguel – lamenta.