Devo, não nego, pago como puder. Esse é, em síntese, o resumo do acordo de leniência firmado entre a empreiteira Andrade Gutierrez (AG) e a Justiça Federal. Em troca de poder continuar mantendo contratos com o poder público, a empresa aceitou pagar R$ 1 bilhão em multas e se comprometeu a ajudar nas investigações de corrupção em que ela própria se envolveu. A negociação foi aceita pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que julga os casos da Operação Lava-Jato, que investiga desvios de dinheiro na Petrobras.
Os termos do acordo não foram divulgados e por isso não se sabe como o R$ 1 bilhão foi calculado, mas o usual é que a leniência inclua eventuais multas criminais devidas pela empresa. No principal processo a que respondem os executivos da AG, referente a oito obras (que incluem duas refinarias e a Comperj, no Rio), o Ministério Público Federal calcula que a empreiteira pagou R$ 243 milhões em propinas. O R$ 1 bilhão a ser pago pela AG equivale ao que a Yara, empresa de fertilizantes, promete investir na modernização do seu complexo industrial em Rio Grande (RS).
A diferença entre o acordo firmado pela AG e um acerto comum de moratória – alongamento de prazo para quitação da dívida – é que, caso a empresa não pague o acordado, sofrerá punição muito mais pesada que o usual em questões de falências e recuperações judiciais. A primeira é ser proibida de trabalhar com o poder público, o que equivaleria a um verdadeiro atestado de óbito para uma construtora ligada umbilicalmente a obras estatais. A outra consequência é que poderiam ser questionados os acordos de colaboração premiada firmados por três ex-dirigentes da AG com a Justiça. Entre eles, o ex-presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo. Foram essas delações que permitiram aos três sair da cadeia e ficar em prisão domiciliar. São elas, também, a base para alguns inquéritos que investigam parlamentares e o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Dívidas com o fisco não são abatidas no acordo de leniência
Procuradores da República ouvidos por Zero Hora salientam: a indenização acertada na leniência não inclui dívidas tributárias – se elas existirem, terão de ser objeto de outra negociação. O acordo firmado pela empresa tampouco livra os executivos da AG de pagarem suas próprias multas no âmbito pessoal, criminal. O MPF pede que os ex-dirigentes da empreiteira sejam condenados a devolver R$ 486 milhões à Petrobras e quer o confisco de outros R$ 243 milhões. O andamento da ação penal está suspenso desde fevereiro.
O R$ 1 bilhão, maior quantia já contabilizada num acordo de leniência no Brasil, deve ser pago pela AG em até oito anos. Outras empreiteiras envolvidas na Lava-Jato já firmaram acordos semelhantes, mas com promessa de pagar bem menos: a , a Camargo Côrrea acertou R$ 700 milhões de ressarcimento ao poder público, além de R$ 104 milhões mediados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por ter feito parte de um cartel. Já a Toyo-Setal se comprometeu num acordo, mas reluta em pagar o exigido pela Controladoria Geral da União (CGU), R$ 720 milhões, mais que o faturamento anual da empresa.
A AG publicou, nesta segunda-feira, nota nos jornais onde admite ter cometido "erros graves" nos últimos anos e pede desculpas. "Reconhecemos que erros graves foram cometidos nos últimos anos e, ao contrário de negá-los, estamos assumindo-os publicamente", diz trecho do texto. A empreiteira, que existe há 67 anos e atua em mais de 20 países, diz ter implementado um moderno modelo de Compliance, baseado em um rígido Código de Ética e Conduta, em linha com as melhores práticas adotadas em todo o mundo. Entre as promessas está o início de obras somente sob garantia de disponibilidade de recursos financeiros, vinculados ao projeto até a sua conclusão.
COMPARATIVOS
- R$ 243 milhões é o que a Andrade Gutierrez (AG) teria pago em propina por oito obras, segundo a Justiça- R$ 1 bilhão é o que terá de pagar de indenização por conta desses crimes cometidos.
- R$ 1 bilhão equivale a um dos maiores investimentos anunciados no RS este ano, a modernização do complexo de fertilizantes em Rio Grande- R$ 486 milhões é o que três ex-dirigentes da AG devem pagar de multa à Justiça, se vingar o pedido pelo Ministério Público Federal (MPF).
- R$ 6,4 bilhões é o total de propinas pagas pelas empreiteiras no caso Petrobras e que a Lava-Jato considera comprovadas.- R$ 2,9 bilhões é o total de valores e bens congelados até agora pela Lava-Jato junto aos réus do processo.