O dia da professora de Português aposentada Fátima Flores, 54 anos, só faz sentido quando vibram as primeiras cordas do violino, da viola e do violoncelo ou quando surgem os primeiros sons do piano e das flautas transversas que ecoam pelo Bairro Lomba do Pinheiro, na Zona Leste de Porto Alegre. Sem jamais ter tocado um instrumento, Fátima encontrou na música um novo sentido para a vida: há 18 anos, fundou o Instituto Popular de Arte-Educação (Ipdae).
Com a ajuda de amigos, voluntários e patrocinadores que acreditaram na iniciativa, Fátima deixou as escolas de São Paulo, onde lecionava Português, para criar na terra natal uma instituição que hoje atende gratuitamente 240 alunos, dos sete aos 22 anos, em cursos de violoncelo, violino, contrabaixo, piano, flauta transversa, flauta doce, prática vocal, teoria e percepção musical e canto. Todos com duração de oito anos.
No espaço entre árvores e trilhas, localizado na Parada 18, crianças e adolescentes, a maior parte carente, ensaiam ao ar livre e nas salas de aula. Eles também podem frequentar a biblioteca do Ipdae, que conta com mais de 30 mil exemplares da literatura nacional e internacional, aberta para toda a comunidade.
Nos próximos dois anos, se formarão na Ufrgs os primeiros cinco bacharéis em música que descobriram no Ipdae a aptidão para a profissão. Quando iniciou o projeto, Fátima, que é voluntária no instituto, não imaginava que seria um caminho de transformação para os moradores da região.
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A ideia
"Como professora, sentia a necessidade de criar uma instituição que estimulasse a leitura, a música, o teatro e a cultura de um modo geral. Meu desejo era fazer algo na cidade onde nasci. Voltei de São Paulo, reuni uns amigos e começamos a procurar uma comunidade. Os moradores do Bairro Lomba do Pinheiro foram os mais acolhedores."
Diferença
"Ao longo destes anos, percebi a diferença que faz para uma criança e um adolescente estarem envolvidos numa atividade que incentive a leitura, a música e a cultura. Ele começa a ler livros, ouvir histórias, a ter contato com a questão do estudo da música. Então, ele acaba construindo, dentro de si, uma identidade. Se torna um cidadão diferenciado, uma referência no seu entorno social."
Transformação
"A música transforma sobremaneira o indivíduo. Mesmo aquele que tem problemas na família. As horas que ele precisa se dedicar ao estudo levam a uma catarse. O desejo de aprender faz esta catarse, que transforma o indivíduo. Ele descobre que pode tocar Beethoven e Mozart, ele se enxerga como um indivíduo capaz. Ele pega uma partitura e consegue tocar. Isso causa uma revolução interna. Resgata a autoestima, a capacidade do indivíduo de executar aquilo que ele quer. Revela a capacidade de realizar os seus sonhos."
Aprendizado
"A criação do Ipdae me tornou uma profissional melhor, a ter mais paciência, a conhecer os alunos e a alma humana. A música tem colaborado de maneira significativa para o meu crescimento pessoal, me ajudando a encontrar elementos e ferramentas internas para ampliar o trabalho do Ipdae, o trabalho da instituição e, com isso, atender a um número maior de alunos."
Certeza
"Estou, na verdade, trabalhando com as vidas dos alunos e dos pais. Sei que o meu fazer é determinante para que estes alunos consigam realizar os seus sonhos. Tenho a certeza de que a música transforma, que é um caminho profissional e um caminho do bem."