Para especialistas em administração pública, servidores e investigadores da Operação Lava-Jato consultados por ZH, os diálogos travados pelo ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira, são incompatíveis com o cargo que ocupava. Das conversas gravadas, o trecho que repercutiu mais negativamente é o de uma interlocução entre Renan Calheiros e Sérgio Machado na qual eles comentam que Silveira havia ido ao encontro do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para tentar obter informações sobre inquéritos envolvendo o senador peemedebista. Mesmo que as declarações do ministro não configurem crime, a simbologia do episódio é considerada devastadora.
_ Se ele cometeu algum crime, quem tem de dizer é a Justiça. As falas mostram a disposição dele para buscar informações privilegiadas junto às autoridades para proteger Renan, de quem é afilhado político. Isso é inadmissível. Somos um órgão de transparência _ afirma Rudinei Marques, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon Sindical), entidade que congrega os trabalhadores da pasta, antiga Controladoria-Geral da União (CGU), antes do anúncio da demissão de Silveira.
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Nesta segunda-feira, os servidores se mobilizaram em atos de protesto. O recado era de que a manutenção de Silveira no cargo, decidida à tarde pelo presidente interino Michel Temer, não seria aceita. Para pressionar, os chefes regionais do ministério colocaram os cargos à disposição.
- Não ficou ninguém no prédio da CGU (atual Ministério da Transparência). Temos cerca de mil servidores em Brasília. Todos foram para a rua dizendo que não trabalham mais sob esse comando - disse Marques.
Para especialistas, o fato de as conversas terem ocorrido cerca de três meses antes de Silveira tomar posse no ministério podem ser atenuante. Mas, à época, ele era integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A avaliação é de que, como membro do Judiciário, também não seria ético circular entre investigados distribuindo aconselhamentos.
- Silveira está em uma posição em que deveria ser exemplo de probidade. Os controladores não podem ser aliados de corruptos. Se ele é aliado de Renan, não deveria sequer ter entrado. Há um conflito de interesse - avaliou Gregory Michener, professor da Escola de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas, também antes da demissão.
Para Michener, a reforma administrativa de Temer foi negativa para a antiga CGU, transformada em Ministério da Transparência. Antes, o órgão era ligado à Presidência da República, com ascendência sobre a Esplanada. Tinha mais poderes para intervir, fazer apontamentos e exigir mudanças no andamento da execução de recursos públicos quando encontrava fragilidades. Agora, está equiparado aos demais ministérios, sem o vínculo com a Presidência.
- A pior manobra até agora do governo Temer foi mudar o status institucional da CGU. Retirou forças de um órgão de controle que havia conquistado reputação nos governos de FHC, Lula e Dilma - defendeu Michener.
Dois investigadores da Lava-Jato consultados por ZH divergiram sobre o conteúdo das gravações envolvendo Silveira. Um deles considerou que os diálogos "não eram dos mais graves", mas que os desdobramentos dependeriam das "repercussões na imprensa". Outro foi na linha oposta e avaliou o episódio como "incompatível", especialmente no caso do ministro escalado para combater a corrupção. Eles destacaram que, à frente da antiga CGU, Silveira "teoricamente" não tinha nenhum acesso às investigações, provas e informações sobre operações que tramitam na Polícia Federal, no Ministério Público Federal e no Judiciário. O problema, apontam, é que a estrutura até então comandada por Silveira é a responsável por discutir sanções na área administrativa, por meio dos acordos de leniência, às empresas envolvidas em casos de corrupção. Na condução desses procedimentos, alertam, o responsável pela Transparência tem acesso e influência direta.