A desmilitarização da Polícia Militar, o fortalecimento das guardas municipais e revisão da formação dos policiais estão entra os temas discutidos, nesta segunda-feira, no 2° Simpósio Nacional sobre a Reforma do Sistema de Segurança Pública. O evento, promovido pelo Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul e realizado na PUC-RS, em Porto Alegre, contou com a presença de palestrantes de renome na área, como o antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, e o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Misse.
Apesar das medidas apontadas para uma reforma no setor soarem como batidas e antigas, os especialistas as veem como um pontapé inicial para a mudança. Mesmo assim, sabem que as ideias enfrentam restrições e resistência nas instituições envolvidas.
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– Qualquer tentativa de fazer uma mudança profunda, radical, certamente não irá sair do papel. A resistência é enorme devido a uma história. Essa história foi conformando uma situação corporativa em que você tem um arquipélago com várias ilhas. Cada ilha com sua própria rotina, suas próprias características, seus próprios saberes e com uma comunicação mínima com outras ilhas. Cada uma delas protege seus interesses, seus poderes e, portanto, dificultam uma reforma que busque a integração – analisa Misse.
Outro assunto muito debatido, mas com pouco avanço prático nos últimos anos é a legalização das drogas, tese defendida por Soares. Ele sustenta que a maioria da população carcerária, atualmente, no Brasil, é de presos por tráfico de entorpecentes, mas que não estão, necessariamente, relacionados ao crime organizado.
– Abandonamos ou negligenciamos os homicídios dolosos, a investigação e a punição. Por outro lado, o número de prisioneiros que cumprem penas relativas a transgressões por drogas, é crescente. Não estamos falando de pessoas perigosas, de criminosos armados, organizados. Estamos falando do pequeno varejista, que faz negócios de circunstancia para sobreviver. Essas pessoas vão ficar presas sem que fossem violentas, sem que estivessem armadas, sem exibir relação com o crime organizado. Isso ocorre pelo casamento perverso entre nosso modelo policial e a lei de drogas – afirma Soares.
Cultura machista nas instituições policiais
Questionados sobre o estupro coletivo a uma adolescente de 16 anos, no Rio de Janeiro, os especialistas criticaram a cultura machista enraizada na sociedade contemporânea e também nas instituições policiais.
– Estamos imersos em uma cultura que autoriza o homem, consciente ou inconscientemente, a agir com violência em relação a mulher. Precisamos fazer com que as instituições não reproduzam a lógica do estupro. Qual o comportamento dos policiais? De que maneira os depoimentos são tomados? Com que cuidado, que tipo de orientação? Será que a mulher, a vítima, está sendo tratada como cúmplice da violência que sofre? – indaga Soares.
O ex-secretário afirma que não é por acaso que o número de denúncias aumentou significativamente a partir da criação das delegacias especializadas no atendimento à mulher.
– Essas delegacias foram criadas justamente porque as mulheres eram maltratadas nas DPs comuns. Quando se introduziu essa alternativa, as delegacias femininas, os números de denúncias explodiram. E não são os casos que se multiplicaram, mas as mulheres que começaram a denunciar – avalia.
Misse defende um tratamento mais profundo para o fim da "cultura do estupro".
– Alguns criminosos são patológicos, pessoas que tem desvio sexual grave, que só sentem prazer numa situação forçada. Esse tipo de pessoa merece tratamento específico. Muitos casos são de ocasião, até dentro da mesma família. Casos de oportunidade em que o crime é cometido pelo padrasto, às vezes pelo pai, pelo irmão mais velho. Isso é mais comum e mais difícil de trabalhar do ponto de vista policial. Só mesmo um trabalho pedagógico, preventivo nas escolas, para fazer com que as crianças tenham conhecimento do que se trata e se previnam – salienta.
*Zero Hora